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Futebol Feminino,

02.11.2016

Postado por Patrícia Muniz

Os avanços da mulher no futebol

Recentemente a Conmebol aprovou para a Copa Libertadores um novo regulamento, que obriga os times a formarem ou se associarem a clubes de futebol feminino para participarem da maior competição de futebol da América. E, na tarde desta terça-feira, a CBF anunciou outra mudança que representa um grande avanço para a luta das mulheres no futebol.

Emily Lima é primeira mulher no comando da Seleção Brasileira Feminina de Futebol. A nova treinadora já merecia há muito tempo a oportunidade. No comando do São José ela foi vice do Campeonato Brasileiro no ano passado, campeã paulista e vice da Copa do Brasil neste ano, além de ser também ex-jogadora. Emily já tem experiência treinando as seleções brasileira sub-15 e sub-17.

CBF

CBF

Sob o comando da ex-boleira, a comissão técnica da seleção deve sofrer mudanças significativas – com Vadão, não havia uma única mulher na equipe. A ausência de mulheres nesse meio deveria causar estranhamento, afinal, quem de fato vivencia o futebol feminino, entende e sofre suas deficiências, conhece o modo como é jogado e o estilo da modalidade são as mulheres que resistem diariamente dentro de campo. Entretanto, o futebol ainda é um esporte entendido como propriedade dos homens.

As vitórias do futebol feminino conquistadas até hoje são frutos de muita resistência e luta das mulheres. Apesar das dificuldades e limitações impostas pelo patriarcado, Emily Lima se qualificou e alcançou o reconhecimento e o cargo que merecia. A história de Emily, porém, ainda é uma exceção.

A participação feminina no futebol, apesar de invisibilizada, é quase tão antiga quanto à própria prática futebolística. Inicialmente, apenas a condição de espectadora era permitida às mulheres. Inclusive, no Brasil, uma versão para a origem do termo “torcedor” advém da presença feminina nos estádios no início do século XX, quando as mulheres tiravam suas luvas por causa do calor e torciam-nas, devido ao nervosismo da partida.

As primeiras partidas de futebol feminino, quando eram noticiadas pela mídia da época, apareciam como apresentações curiosas e até mesmo cômicas. Em geral, há poucos registros sobre a presença das mulheres no esporte e o futebol era considerado como uma prática violenta para o sexo feminino, tido como frágil. Alegavam que o corpo feminino não era próprio para a atividade e que prejudicaria as funções maternas, reduzindo às mulheres ao trabalho de procriação.

Reprodução/Primeiro time de futebol feminino

Reprodução/Primeiro time de futebol feminino

Sob essa perspectiva patriarcal, um decreto-lei assinado por Getúlio Vargas em 1941 proibiu constitucionalmente as mulheres de praticarem algumas modalidades esportivas, dentre elas o futebol. A determinação perdurou por 38 anos, sendo revogada somente em 1971, quando a Seleção Brasileira de futebol masculino já havia conquistado o tricampeonato mundial.

A proibição do futebol feminino atrasou as pesquisas na área em décadas quando comparadas às pesquisas na modalidade masculina. E, para além do atraso técnico, a medida fomentou a misoginia na sociedade, excluindo e inviabilizando ainda mais a participação das mulheres nos esportes.

Em 2014, um estudo apresentado por cientistas da Faculdade de Atividade Física e Ciências do Desporto da Universidade do País Basco comprovou que as mulheres podem jogar futebol tão bem quanto os homens. A diferença entre os grupos de atletas masculino e feminino estudados consiste em um desempenho físico distinto por parte dos homens, o que já era esperado devido às diferenças fisiológicas entre os indivíduos dos dois sexos. Entretanto, nenhuma diferença significativa foi encontrada quando se analisou questões técnicas.

Daniel Kfouri

Daniel Kfouri

Para o coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano da Universidade Federal do Rio Grande Sul (UFRGS), Flávio Antônio de Souza Castro, a qualidade técnica não depende apenas das características fisiológicas do atleta, mas também dos processos de aprendizagem motora. Portanto, se o desempenho técnico for desenvolvido desde a infância, é possível que homens e mulheres tenham performances similares.

Os argumentos biológicos utilizados para sustentar o machismo no futebol foram, ao longo dos anos, desmitificados pela ciência. Apesar das distinções das estruturas corporais entre homens e mulheres, a capacidade técnica feminina não é inferior à masculina e a qualidade do futebol não está comprometida.

Julio Carneiro

Julio Carneiro

Ainda que legalizado, o envolvimento das mulheres com o futebol permanece sendo subjugado pela sociedade. Historicamente, não fomos criadas para a prática de esportes, fomos e ainda somos criadas para o ambiente privado, para o cuidado do lar e da família, em detrimento do desenvolvimento como ser social. Os espaços de lazer relacionados a esportes são, geralmente, ocupados por homens e as aulas de educação física raramente apresentam o futebol como um conteúdo a fazer parte da educação corporal das meninas.

É necessária uma mudança estrutural na sociedade para que haja equidade de gênero no mundo dos esportes. A legalidade sem investimentos não promove o crescimento do futebol feminino, ao contrário, reforça a exclusão das mulheres pois não repara os danos causados pelo passado extremamente machista que retardou o desenvolvimento da modalidade.

O investimento nas categorias de base, a escolha por mulheres nas comissões técnicas, o incentivo à prática esportiva para meninas, mais representatividade na mídia e, principalmente, o combate ao preconceito e inferiorização das atletas, árbitras, jornalistas e torcedoras, cessando as comparações de forma pejorativa com o futebol masculino são medidas primordiais para uma mudança efetiva.

Nadja Marin

Nadja Marin

 

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