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06.03.2017

Postado por Roberta Pereira da Silva

Sabe lá o que é morrer de sede em frente ao mar…

Corinthians 1×0 Santos – Campeonato Paulista 2017

Moro há 4km do estádio do Corinthians e ontem não pude comparecer ao jogo Corinthians x Santos. Motivo? TORCIDA ÚNICA, ou seja, na cidade de São Paulo os clássicos estão impedidos de comportar as duas torcidas. Interessante pensar que no desfile de carnaval do grupo especial temos Mancha Verde, Dragões da Real, Gaviões da Fiel e em 2018 teremos também a Independente. Mas isso seria assunto para outro texto, a lembrança é apenas uma constatação de que as torcidas se cruzam em diversos espaços. Aliás, são em outros ambientes que geralmente ocorrem as brigas e não dentro do estádio. Pasmem, mas após o decreto, o que tem ocorrido são brigas entre a própria torcida.

Sendo assim, meu sábado foi de dúvidas: vou “infiltrada” no jogo? Poderia me valer do discurso machista de que mulher não entende de futebol e só vai para o estádio para acompanhar o namorado, marido, amigo, companheiro, me “protegendo” do risco de estar no meio da torcida rival. Decidi não ir. Tal decisão implicou em outras dúvidas, como onde iria assistir ao jogo? Porque, além de ser torcida única, sei lá quem decidiu que jogos quando ocorrem na cidade de sua cede não são transmitidos em TV aberta, ops, sabemos bem quem decidiu, a mesma emissora que tem o monopólio da transmissão do carnaval, que decide que os jogos devem acontecer às 22h, depois da novela, mesmo que não haja transporte público para os torcedores retornarem às suas casas, etc e etc.

Ou seja, o jogo foi transmitido apenas pelo canal pago. Podemos concluir, portanto, que uma das favorecidas com a punição é a grande emissora monopolista. Outra dúvida: porque então os clubes não questionam? Bem, estes também ganham porque não precisam se preocupar com os confrontos que podem ocorrer, têm a renda total do jogo e se livram de possíveis depredações ao estádio por parte da torcida adversária. O estado, por sua vez, representado pela Segurança Pública, tem menos “trabalho” com a logística do evento. No final das contas, quem perde é o torcedor, que lhe tem negado mais uma vez o direito de torcer pelo seu time.

Reprodução

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Sinceramente, assim de pronto não me lembro qual foi o “estopim” para a sanção. Também não me lembro quando acabaram com a torcida meio a meio. O que não me deixam esquecer é que a violência não reduz em absolutamente nada com tais medidas. Aqui em São Paulo não se pode entrar com faixas, bandeiras, instrumentos musicais e em alguns estádios se quer pode-se ir de chinelos. A torcida até se esforça, grita, bate palmas, canta, mas definitivamente não é a mesma coisa, visualmente então nem se fala. A punição é direcionada às torcidas organizadas, mas se eu quiser levar uma bandeira contra o racismo nos estádios, por exemplo, também não poderei entrar.

Neste sábado o Santos realmente precisava de sua torcida ali, em pé apoiando, torcendo, cobrando pela má fase que vem enfrentando. Pode ser que não ganhasse o jogo, como não ganhou o clássico contra o São Paulo com a torcida unicamente santista, contudo, acredito que não se faz futebol sem torcida e poderíamos ter sido a diferença.

Reprodução

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Chego à conclusão de que a torcida única está completamente alinhada ao futebol que vem se consolidando no Brasil; o futebol moderno, sem graça, sem ginga, sem raça e sem “jogo”, onde as estatísticas, o “estudo” e a tecnologia sobressaem às características que tanto nos diferenciaram dos demais jogadores de bola.

As “arenas”, por sua vez, atraíram o torcedor que “curte” esse futebol, que tira selfie, que assiste sentado. As “arenas” acabaram com a geral, afastaram o jogador popular que compunha a festa, afinal, quem consegue pagar os altos preços cobrados pelos ingressos? Enfim, a torcida única é funcional às arenas e facilita a elitização do futebol. Podemos esperar pra ver se o futebol moderno se mantém ou podemos nos organizar e resistir a essa lógica. Eu, sinceramente, assim como o Santos, morri de sede em frente ao mar…

 

O título faz referência à música Esquinas, de Djavan, 1984.

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