VOLTAR

,

09.03.2018

Postado por Ana Clara Costa Amaral

Marias no Mineirão

Cruzeiro 3 x 0 URT – R10 Campeonato Mineiro 2018

Assistir ao time reserva do Cruzeiro golear uma URT resignada não foi o grande destaque no Mineirão. Nem mesmo os 90 minutos de Dedé ou a bela atuação de Sobis. Até mesmo para os mais desavisados, o som das arquibancadas chamava a atenção: seria um coro levemente mais agudo, feminino?

Foto de Araceli Souza

Foto de Araceli Souza

Sim, e não por acaso. Resultado de uma das ações de marketing do clube na semana do Dia Internacional da Mulher, que distribuiu cerca de 15 mil ingressos para torcedoras. A presença maciça das mulheres no estádio é novidade em todos os sentidos. Na plataforma Cruzeiro Solidário, a campanha do #QuebreOSilêncio, realizada junto ao Mineirão, o marketing do Cruzeiro acertou a mão novamente. Sinal de que a realidade de violências vividas pelas torcedoras é de conhecimento do clube. Este sabia que as mulheres se identificariam com a campanha, uma vez que estão cada vez menos dispostas a aceitarem caladas a opressão e que reivindicam seu espaço no futebol enquanto gente, enfrentando, para além de todas as sacanagens do futebol moderno e elitista, a mesma violência de gênero de sempre.

Ontem, inclusive, o estádio recebeu como convidadas algumas abrigadas da Casa de Referência da Mulher Tina Martins e militantes do Movimento Olga Benário, que entraram no estádio com camisas da Resistência Azul Popular! Essas mulheres de luta nos honraram com esse “corre” de emprestar e doar algumas camisas.

Foto de Araceli Souza

Foto de Araceli Souza

Tudo muito lindo e azul, mas se o departamento de marketing parece estar tão antenado, como explicar o Cruzeiro Esporte Clube tão machista? Como quebrar o silêncio ensurdecedor do clube em relação ao futebol feminino? Por que o Cruzeiro só concebe mulheres em campo como cheerleaders, ou pomponetes, em bom português? Que, diga-se, sequer são reconhecidas como trabalhadoras, ensaiam e se apresentam de graça, diferentemente do Raposão e da Raposinha. Caso não tenha ficado claro: os dois mascotes, ambos homens, são remunerados. Até porque, não seria ridículo pensar o contrário?

Ou seja, nem para animadora de torcida o Cruzeiro emprega com destaque no futebol. Quem dirá para jogadora de futebol, vôlei, preparadora física, auxiliar técnica. Temos notícia apenas de nutricionista e psicóloga. Também na comunicação somos minoria, no jornalismo e social media. O clube é o retrato fiel da discriminação sofrida pela mulher no mercado de trabalho, da divisão sexual do trabalho de forma até didática. O trabalho mal pago ou nem pago é o nosso. Não é de se admirar que, como demonstrado na campanha de marketing do ano passado, somos a maioria dentre os desempregados.

Foto de Vinnícius Silva/Cruzeiro e Cristiane Mattos/ Lightpress

Foto de Vinnícius Silva/Cruzeiro e Cristiane Mattos/ Lightpress

Os ingressos gratuitos serviram para mostrar como estamos acostumadas a um estádio masculino e como as mulheres estão excluídas do processo. No marketing, 100%, para o clube como um todo, mais uma migalha celeste reservada para as torcedoras. Queremos mais! A ação de marketing se soma a tantas outras em um esforço para quebrar estigmas que são, a todo momento, reproduzidos e alimentados pelos demais departamentos do clube!

Escutando uma rádio de BH antes do jogo começar, um entrevistado disse: “hoje eu vim ao estádio porque ele tá mais bonito, mais cheiroso, vou ficar no meio delas, quem sabe não saio daqui namorando”. Meu querido, é para homens como você que essas campanhas existem, sugerimos que você procure o Tinder, nós viemos pra assistir ao jogo.

É, é preciso ter força, é preciso ter raça, é preciso ter gana sempre!

Sobre o jogo, bom, ontem foi coadjuvante.

Em colaboração com Cris Guimarães, pelo coletivo Maria Tostão

Ler mais da Ana Clara Costa Amaral

Ler mais do Cruzeiro

Ler mais do Campeonato Mineiro

A Bola que Pariu