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Futebol Feminino,

29.03.2017

Postado por Alessandra Salgueiro

Mulheres do Futebol: Dayana Dias

Day é mulher guerreira. Desde muito nova enfrentou na pele os desafios de quem, além de ser mulher, tem origem humilde e sonha em jogar futebol na vida. Tímida no começo, apaixonada por futebol a cada segundo.

Experiente, é a capitã da Portuguesa. Além dos treinos e competições como jogadora profissional, também trabalha, faz faculdade e dirige ao lado de seu marido a Escolinha Nove de Julho de Futsal Feminino, um sonho levado sem apoio externo e com muito amor para dar a meninas em situação de vulnerabilidade social, em São Paulo, a oportunidade de jogar bola.

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Primeiramente, gostaria que você se apresentasse.

Meu nome é Dayana Dias, tenho 31 anos, jogo bola na Portuguesa, trabalho, à tarde, em um mercado em Pirituba e estudo na Faculdade Drummond.

Que tipo de jogadora você é e qual a maior qualidade que você acredita ter como zagueira?

Eu sou do tipo de jogadora que não gosta de perder, meu jogo é jogar sério, porque eu gosto de ganhar. Minha qualidade como zagueira é que não desisto.

Durante todo esse tempo, quais foram suas maiores dificuldades ao longo do percurso como jogadora?

Minha maior dificuldade foi quando eu comecei mesmo, há 17 anos atrás, porque não tinha time para poder jogar. Quando eu encontrei foi o Pacaembu, que tinha um time de salão onde, inclusive, a Aline Pellegrino jogava, e foi lá que eu comecei a jogar.

A minha mãe não ganhava tão bem pra eu poder ir de ônibus, então para não desistir eu ia de bicicleta. E detalhe, minha bicicleta era velha, então meu pneu vivia careca… quando acontecia isso, de furar minha câmara, aí tinha que encher aqui, encher no meio do caminho, chegando lá tinha de encher de volta e pra voltar para casa era a mesma coisa… enchia umas duas ou três vezes para poder chegar e umas duas ou três vezes para voltar, até juntar de novo um dinheirinho pra poder remendar a câmara e ir treinar novamente.

Há um tempo atrás você teve uma lesão séria e teve que arcar com todo o tratamento. Como foi isso? Você temeu em não poder mais jogar futebol?

No começo do ano passado jogamos o Campeonato Brasileiro e fomos jogar em Manaus. Nessa partida, faltando uns dez minutos pra terminar o jogo acabei sendo infeliz em uma jogada, eu fui cabecear e a menina também cabeceou, porém, ela acertou meu arco zigomático e afundou meu rosto. Me levaram ao médico lá, mas quando cheguei era um hospital público, o médico que me atendeu não era da área e ele queria fazer um corte no meu rosto para colocar o osso no lugar, porque afundou, e eu não deixei. Eu não tenho convênio, mas mesmo assim eu só pedi um remédio pra passar minha dor e poder vir pra São Paulo para correr atrás de alguma coisa aqui. Quando cheguei, o meu marido, Luiz Claudio, me levou até o hospital e encontramos o Mandaqui, aonde encontrei ótimos profissionais, realizei a cirurgia após uma semana e ficou muito bom. Agradeço demais a eles.

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Hoje, você tem que uma carga total. Podemos te acompanhar pelas redes sociais. Você banca todo um preparo físico e a manutenção disso tudo? Tem alguma ajuda do clube ou patrocinador pessoal?

Então, como eu gosto muito de jogar, eu e meu marido compramos alguns equipamentos como esteira, estação de musculação e também algumas coisinhas para quando não tem treino… na verdade, agora está tendo treino todo dia porque voltamos com as atividades, mas à tarde, quando estou mais tranquila, tento fazer outras atividades para essa manutenção.

A estrutura que temos começa com uma ajuda de custo pra poder treinar. Temos campo e academia. Quando nos machucamos ou precisamos fortalecer alguma coisa, temos um fisioterapeuta. Mas o futebol feminino, ao invés de melhorar… Este ano perdemos alguns patrocinadores, acabamos perdendo uma parceria que tínhamos com o Mogi que, infelizmente, esse ano não renovou porque agora tem que ser com times da cidade. E esse era o nosso patrocinador mais forte, que dava o auxílio para pagarmos a nossa ajuda de custo.

Você, além de jogar, tem a Nove Futsal Feminino, que é o seu projeto de escolinha na periferia de São Paulo, que disputa várias competições amadoras. Como foi que surgiu esse projeto e como é o desenvolvimento dele no dia a dia?

Então, temos uma escolinha de futsal só de meninas. Temos o time principal e as categorias de base, hoje temos mais ou menos 55 meninas e lá funcionamos da seguinte forma: os treinamentos são às segundas, quartas e sextas à noite, totalmente gratuito. Essa loucura surgiu comigo e meu marido juntos, já que gostamos muito de futebol e eu estava falando pra ele das dificuldades que tive quando pequena pra praticar o futebol. Ele também é um fanático, apaixonado por futebol, então resolvemos dar início a isso há 13 anos atrás. Temos 10 anos do time principal e agora temos três anos da escolinha.

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Surgiu com meninas querendo jogar e fomos arrumando o espaço pouco a pouco… primeiro, começamos a treinar em uma praça próxima a minha casa onde eu dava alguns treinos para elas. Depois, foi ficando maior, foram aparecendo mais meninas e não dava mais pra suportar na praça. Então, começamos a correr atrás de quadra, de campeonatos e foi se dando o início.

Hoje, graças a Deus, nossa escolinha anda bem e continua gratuita. Mês que vem começamos a participar de um campeonato, que é o Circuito Escola, onde vamos participar com as categorias Sub-11, 13, 15 e 17. O nosso time principal já esta jogando um campeonato, que é da LigaSP, e esse ano também entramos com um projeto novo, pois, como não há muitos campeonatos pras categorias de base, resolvemos entrar em um campeonato de Caieiras, o Praça de Menores, e entramos com a categoria Sub-13. Porém, o campeonato é masculino e sub-12 e é assim que vamos levando…

Não temos patrocínio e nem ajuda de ninguém. O que fazemos é vender uniforme para as crianças e para todos que querem participar. Desse dinheiro de cada uniforme tiramos pra comprar outro e sobram R$ 20,00 que fazemos um caixa para levar as meninas para os jogos, pagar arbitragem e comprar materiais, que sabemos que não é barato, como bolas, cones e outras coisas.

Como é a procura pelo futebol hoje? Sabemos que o futebol feminino tem crescido e a cada dia mais meninas jogam. Quantas turmas você tem, em média?

Hoje, a procura pelo futebol está grande. Melhorou muito depois que começaram a divulgar mais o futebol feminino. Porque, na verdade, sempre existiu, porém não era divulgado. E hoje, como a CBF está em cima e querendo todos os clubes com time feminino, a procura aumentou. Principalmente meninas menores, com oito, nove e dez anos. Hoje, na escolinha, a quantidade maior que nós temos é nas categorias sub-13 pra baixo, por incrível que pareça. As pequenas estão procurando mais.

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Já tiveram algum tipo de apoio financeiro ou vai tudo no peito e na raça mesmo, com a força de vontade, superando as dificuldades de cada dia?

Na nossa escolinha, muita gente fala que vai ajudar, mas sempre foi na raça. São 13 anos de time na raça, sem nenhum patrocinador. Patrocinador, na verdade, como falei, é meu marido, que é fanático, que sempre tirou dinheiro do bolso, muitas vezes, para pagar arbitragem, taxa de inscrição… Já fizemos uma loucura até maior! No ano passado tinha um rapaz vendendo uma van, de 12 lugares, e a gente via a dificuldade das meninas para irem aos jogos, era chato falar pra encontrarmos direto no local, sabemos dessa dificuldade… nem todas as meninas têm dinheiro.

Pensando nisso, compramos e reformamos a van. Hoje, quando tem jogo, nós marcamos no balneário onde treinamos e de lá levamos todas as meninas e depois devolvemos no mesmo lugar. Essa foi a forma que resolvemos pra poder ajudar um pouco o futebol feminino, porque precisa de muita ajuda. E patrocinador… nenhum, nenhum mesmo. Todo mundo vem, fala que o projeto é legal pra caramba, mas não vem ninguém nem dar uma bola…. infelizmente é assim, mas tenho fé que o futebol feminino vai melhorar muito.

Eu estive com você acompanhando alguns treinamentos e percebi que você se volta bastante à parte técnica, aos fundamentos. Eu queria saber como foi sua formação como jogadora.

O feminino sempre foi muito criticado porque as meninas não sabiam dominar uma bola, não sabiam chutar, por isso o meu treinamento é voltado pra isso. Eu gosto muito de treinar fundamento porque se a menina souber isso, o resto é mais fácil dela pegar. Quando eu comecei, no Pacaembu, eu tive um professor que se chamava Tata e ele passava muito fundamento, aprendi muito com ele e era minha maior dificuldade, então eu levo por mim… se eu tive muita dificuldade eu também vejo muita dificuldade.

Você realmente acredita que o futebol pode mudar a vida de alguém? Principalmente quando se convive com toda essa vulnerabilidade social que você vê através da escolinha?

Na verdade, o meu objetivo é que quando essas meninas crescerem… muitas ali eu tenho certeza que vão virar jogadoras, nesse ano mesmo, cinco nossas foram para outros times – para o Tiger/Corinthians, Taboão, Audax, Centro Olímpico e São José. Essa é a nossa meta, não queremos que a criança fique com a gente pra sempre, mas tenho outra meta, um pouco mais forte, porque sei que o futebol feminino dura pouco… o que eu gostaria muito é que 90%, quando saísse de lá, conseguisse uma faculdade de graça, como hoje eu estou fazendo.

Após 17 anos de futebol, hoje eu consegui uma faculdade 100%. E eu sei que meu futuro é na faculdade, não vai ser com futebol, infelizmente, porque não tem como a pessoa viver com salário de R$1.000 ou em uma Seleção Brasileira ganhando um salário de R$5.000. E é nisso que volto o meu trabalho, para que um dia elas consigam uma faculdade e um emprego melhor… Futebol como diversão, até como profissão, mas essa profissão é muito curta e na faculdade não, na faculdade você vai arrumar um emprego mais longo.

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Você conversa com as meninas sobre irem para escola, terminarem seus estudos e que o futebol é um complemento? Sobre o quanto é importante estudar e se formar?

Sim. Cobramos muito o estudo, quem tiver nota vermelha fica sem ir pros jogos. Essa foi a forma que achamos para incentivar. O estudo e o esporte têm que andar lado a lado, não pode um ser melhor que o outro. Principalmente, à frente os estudos, é o que cobramos muito delas.

Como você concilia sua vida de mulher com o futebol? Você acredita que há alguma diferença para o homem que pratica o esporte?

Então, não é fácil conciliar o esporte, futebol, e ser uma mulher dentro de casa, ser uma esposa. Com certeza há diferenças, porque eu chego do futebol e já tenho que lavar uma roupa, limpar a casa, fazer a comida pra quando o meu marido chegar estar tudo prontinho pra ele. Depois, ainda tenho que trabalhar e estudar… não é fácil, mas quando queremos chegar a um objetivo, conseguimos! Tudo tem seu tempo.

O que você acha do machismo no futebol? Você acha que ainda é forte e você já viveu alguma situação quanto a isso na sua carreira ou na escolinha?

O machismo existe, né? A partir do momento que a gente escolheu jogar futebol, sabíamos das dificuldades que iríamos passar. Desde pequena eu jogo futebol e sempre fui chamada de “Maria Homem”, porque os homens acham que só eles podem jogar futebol. Na minha opinião, são direitos iguais. Se eles podem, a gente também pode. Mas não vamos mudar nosso jeito de ser feminina, o futebol não significa nada, é um esporte que escolhemos porque gostamos, não vai mudar a mulher.

Sabemos que a Portuguesa foi a pioneira no futebol feminino no Brasil. Como você acha que essa crise vivida pela Lusa afeta o futebol feminino?

Infelizmente, a Lusa está passando por um momento muito difícil mesmo, inclusive está no rebaixamento agora. Afeta (o futebol feminino) sim, porque, com essa divisão de Brasileiro A e B, não fosse o masculino estaríamos na A. E muitos patrocinadores não querem mais apoiar porque é a Portuguesa, então prejudica um pouco sim, mas vamos correr atrás disso e fazer a diferença… só depende de nós. Temos que trabalhar bastante esse ano aqui para chegar em primeiro lugar. Se Deus quiser, com muito trabalho, muito esforço, muito foco e muita fé para poder, no ano que vem, estar disputando a série A, que é onde a Portuguesa merece estar.

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Como você vê as alterações realizadas no calendário do futebol feminino brasileiro?

Melhorou muito o calendário, porém muitas atletas não gostaram porque fizeram o Campeonato Brasileiro praticamente junto com o Paulista, o que significa que, se cada competição tiver cerca de cinco meses de atividade, o que vamos fazer com o restante do ano?

Por exemplo agora; o Brasileiro da série A começou em março, o da série B vai começar em abril e antes estávamos paradas. Na verdade, a Portuguesa parou em setembro do ano passado e começamos a trabalhar em março, então, perdemos muito tempo e esse tempo é dinheiro que foi perdido, então não ajudaram muito a gente.

Qual a sua expectativa e como você tem encarado essas mudanças que têm acontecido ultimamente no futebol feminino, no Brasil, de um modo geral?

Estou gostando dessas mudanças. Eu só gostaria de uma coisa, que não fosse só fogo de palha, do tipo agora esta no “oba oba”, no “vamos fazer” e daqui um ano ou dois esquecerem de novo o feminino, não é disso que precisamos. Todos cobram do futebol feminino, mas não fazem por onde cobrar. Como você vai cobrar uma coisa se você não dá estrutura pra isso estar acontecendo? E agora estão tentando…

Estrutura não tem ainda. Tem campeonatos, como já falei, mas precisamos de mais estrutura na categoria de base e principalmente no profissional. Então, eu espero isso, que não seja só fogo de palha.

Você acha que agora vai mesmo ou você ainda tem suas reticencias? Após todas essas mudanças e com uma técnica mulher à frente da seleção… Como você esta vendo tudo isso?

Com certeza a Emily fez muita coisa, fez todo mundo já pensar de uma outra forma.

Quem seria seu maior ídolo, no futebol feminino?

Gosto muito do futebol da Formiga, me espelho muito nela. Pela raça, pela vontade, pela determinação que ela tem, pela garra e por não deixar nada a abater. A acho uma baita jogadora.

Têm crescido muito as conquistas das mulheres, não somente no futebol, mas na sociedade como um todo. Como você esse crescimento e a imagem da mulher?

Aos poucos as mulheres estão buscando seu espaço, mas infelizmente ainda existem muitas coisas que tem que ser iguais aos dos homens ainda. Capacidade a mulher tem igual, ou as vezes até desenvolve algumas coisas melhores que os homens, só que tem profissões onde os homens ainda levam vantagens em questões de salário. O salário nunca é igual, os homens sempre ganham melhor.

Deixe uma mensagem para quem esta iniciando no futebol.

Para as crianças que estão começando agora a jogar futebol, eu tenho uma coisa pra falar pra elas: nunca desistam dos seus sonhos. Mesmo se as pessoas te criticarem, falarem que isso não é coisa de menina, o importante, nessa vida, é fazermos o que gostamos e amamos fazer, então o resto se dá um jeitinho e vai se virando. Nunca na minha vida eu tive coisas fáceis, sempre tive que trabalhar, ajudar em casa, perdi a minha mãe com 24 anos, perdi o meu pai quando eu tinha 18 e eu nunca deixei de sonhar. Hoje, eu ainda tenho sonhos, meu sonho é de ir pra Seleção e eu vou buscar isso e, lógico, me formar e poder dar mais estrutura pra nossa escolinha. É isso que eu pretendo da minha vida. Então, foquem em uma coisa, coloquem objetivos e busquem.

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