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, Futebol Feminino

05.04.2017

Postado por Raisa Rocha

Apresentando: futebol feminino

Saudações aos tricolores e interessados no tema, de todas as estâncias. Meu tom levemente comemorativo pode parecer estranho, visto que as gurias do Grêmio em cinco jogos têm apenas uma vitória, um empate, três derrotas e saldo de -9. Mas sim, isso pouco me entristece. Claro que eu gostaria de vê-las ganhando, lá em cima na tabela, mas quero explicar a vocês porque o resultado aqui é o que menos importa. Mesmo!

Leandro Martins/Allsports

Leandro Martins/Allsports

Comecemos passando uma borracha em tudo o que entendemos por futebol. Trocando em miúdos, não podemos pegar o Grêmio (masculino) como parâmetro nem qualquer time que dispute as séries A e B, acreditem. A distância entre as duas modalidades é de décadas.

Nos anos 30 começou a perseguição a estas mulheres porcas sem nenhuma vocação para serem belas, recatadas e do lar que queriam fazer coisas de homem. E pra deixar claro quem manda, em 1965 o tio Getúlio Vargas (que é homenageado com nome de rua e coisa e tal…) bateu o martelo num decreto-lei que proibia as mulheres de jogarem bola. Sim, pois sim, proibição mesmo, de dar cadeia e tudo até 1979, com liberação total só em março de 1983. Não sabia? Pois é, essas coisas que nos fazem esquecer, talvez, pra facilitar a repetição… mas este é outro assunto. Fato é, que enquanto construíamos a nossa identidade de “país do futebol”, neca de pitiribas pra elas, que continuaram jogando, óbvio, na clandestinidade.

Jefferson Bernardes/Allsports

Jefferson Bernardes/Allsports

Voltando ao presente, 2017, o momento é de construção, tijolo por tijolo. É de, mais do que nunca, abraçar a causa. Assistir aos jogos, estar nos estádios quando possível, dar ibope e visibilidade. Quinta tem jogo em Eldorado, às 15:ooh, contra as lanternas do São Francisco. Vamos apoiar? Tem jogo da Seleção no próximo domingo, que tal assistirmos? Tratamos aqui de uma prática esquecida no amadorismo que agora, por uma obrigação, começa a vislumbrar num médio e longo prazo alguma crescente.

Não estamos aqui pra falar de resultados. Nem de performance. Nem de intensidade até o apito final ou bailes táticos. Muito menos apontar que fulana é gorda, não tem músculos ou coisas do tipo. Pra começar, são fisiologias bastante distintas a dos homens e a das mulheres. Pra completar, profissionais capacitados a tratarem dessas diferenças também são poucos. A começar pelo nosso Grêmio: com todo respeito ao Yura, a tudo o que ele fez pelas três cores e a sua dedicação com as gurias, que me soa genuína. Porém, não tenho conhecimento de qualquer contato dele com a modalidade antes de hoje. Ele mesmo, o coordenador da coisa toda…

O futebol feminino está em outro patamar. É de luta, de buscar visibilidade, de conquistar o direito de existir e de ter as condições mínimas para seu desenvolvimento. Eu não quero e não gosto de comparar, mas são importantes os paralelos neste momento:

Jefferson Bernardes/Allsports

Jefferson Bernardes/Allsports

Os homens treinam diariamente, em dois turnos, intercalando entre físicos, táticos, de firulas, de fundamentos e de recuperação. Têm time titular, reserva, de base, de transição, jogadores encostados… um desbunde! As mulheres, mesmo as dessa categoria que chamamos de “profissional”, não. Aliás, só três times assinam as carteiras de suas atletas no Brasil. De resto, é trabalhar de dia, cumprir funções no lar e treinos à noite, um dia que outro.

Com eles, uma temporada atinge no mínimo 50 jogos (e não estou falando dos times do alto escalão). Com elas, depois de muita bateção de pé, conseguimos da CBF um Campeonato Brasileiro com mínimo de 14 datas na fase de grupos e máximo de 20 para quem chegar às finais. E isto ao custo da extinção da Copa do Brasil, que teria sua 11ª edição. Deve ser mesmo muito difícil ter dois campeonatos femininos num país com tão pouca gente gostando de futebol… No segundo semestre, cada Federação que se vire com seus estaduais. De brinde, as campeãs brasileiras do ano anterior sempre levam em dezembro uma Libertadores varzeana do início ao fim: nem 15 times na disputa, mal e mal tendo campo, arbitragem, uniforme, equipe médica, alimentação, ajuda de custo e essas coisas todas…

De um lado, ingressos a preços fora da realidade. De outro, jogos gratuitos em campos de treinamento. Cotas de transmissão monstruosas contra mendigáveis um jogo por rodada no canal por assinatura.

As diferenças são muitas, enormes.

Ah, você sabia que até o ano passado, ano de Olimpíadas e tudo, as mulheres da Seleção estavam lá, treinando e jogando, com contratos de boca? Sim. Boca da CBF, mas boca!

Jefferson Bernardes/Allsports

Jefferson Bernardes/Allsports

O grande feito desse Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino é a sua existência. Obvio que não me contento com esta mixaria, mas é preciso nos situarmos.

E mais. O Grêmio, como já disse em outras oportunidades aqui no blog, é um time recém formado, duplamente. Não é só a modalidade e o departamento que se iniciam. O time da Seleção Gaúcha (que ganhou o nome de “Grêmio”) nunca jogou junto, foi selecionado em outubro, após o Gauchão 2017. Ou seja, estamos mais do que nascendo.

Pra complicar um pouquinho mais, pesquisem brevemente as histórias e estruturas dos times do Iranduba, do Corinthians, do Audax e do Kindermann só pra entender contra quem estamos jogando e o contexto das derrotas e goleadas.

Nunca foi fácil pro Grêmio e não seria agora. Por outro lado, a estreia foi Imortal, com gol da vitória aos 45 minutos finais! O momento é de cobrar a todos menos as gurias, é de cobrar a diretoria para que dê continuidade a este projeto. Não sabemos o que será disso tudo ao final do Brasileiro, a parceria não prevê continuidade ou qualquer coisa do tipo. É aí que reside a minha preocupação.

Que terá de continuar com um time feminino sabemos que sim, é esta a “regra” do jogo dada pela Conmebol. Mas, como será isso? Começaremos do zero, outra vez? A treinadora Patrícia Gusmão e sua comissão terão a oportunidade de continuarem o trabalho? E as jogadoras? São do Grêmio, são da Associação Gaúcha de Futebol Feminino? O que será que será?

Finalizando, aqui não importa se o Grêmio vai ganhar ou perder. Aqui, importa que temos um time feminino jogando pelo Grêmio. É agora a hora do “mesmo ganhando, mesmo perdendo Imortal Tricolor”, do “nós viemos pela camiseta e não por resultado”, do “contigo na boa e na ruim muito mais” e eteceteras.

Gurias, o jogo é sem abaixar a cabeça. Não estamos sós.

Leandro Martins/Allsports

Leandro Martins/Allsports

 

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