Futebol Feminino, Futebol Feminino
02.03.2017
Postado por Patrícia Muniz
Amanda Miranda Cunha de Moura, 23 anos, é conhecida em terras brasileiras como She-Ra, apelido que herdou do irmão, Rafael Moura. Destaque no Atlético Mineiro, a atacante conquistou o Tricampeonato Mineiro (2009, 2010 e 2011), mas com o encerramento da equipe feminina do Galo está jogando nos EUA desde os 18 anos e atualmente defende a camisa do University of Bridgeport.
Natural de Belo Horizonte, Amanda consegue conciliar sua paixão por futebol e dedicação em campo com os estudos. Em 2016, formou-se em Economia pela Universidade de Bridgeport e atualmente faz mestrado em sua área. She-Ra é uma grande promessa do futebol feminino e espera em breve poder jogar em seu país novamente.
Como você se aproximou do futebol? Onde começou a jogar?
Meu primeiro contato com o futebol ocorreu através da minha família. Cresci em um ambiente em que competição saudável e prática esportiva eram tão importantes quanto o estudo. Meus pais me colocaram para fazer capoeira, vôlei e ate hipismo, mas aos 8 anos eu escolhi o futebol. Via meu irmão jogar nos fins de semana e sempre acompanhava seus treinos, então eu comecei a seguir o mesmo caminho.
Como era a estrutura do futebol feminino em BH quando você jogava aqui?
O futebol mineiro em geral é bastante deficiente de estrutura, mas sempre foi muito bem abastecido de paixão e pessoas competentes querendo mudar a realidade. Minha avaliação, portanto, será extremamente técnica e não abordará nenhuma comissão técnica ou dirigentes de clubes, porque não á culpa deles. A nossa estrutura era muito precária em termos de condições oferecidas. Tínhamos um bom campo, treinávamos na Vila Olímpica, e também tínhamos todos os uniformes que, apesar de serem grandes para mulheres, satisfaziam nossas viagens e jogos muito bem. Também contávamos com a nutricionista Flavia Magalhães, que foi primordial no nosso desempenho, e ótimas cozinheiras na Vila. Nossas maiores dificuldades se relacionavam a salário, visibilidade e viagens. Ganhávamos muito pouco para tanto tempo dedicado à equipe. Algumas das jogadoras já eram mães e tinham dificuldades em fazer o “ganha pão”, assim como atletas que gostariam de entrar para faculdade e ficaram limitadas aos estudos, devido aos treinos diários ou atá mesmo a falta de capital para pagar mensalidades.
Em relação ao Campeonato Mineiro, sempre foi muito bem organizado, mas o nível eu acredito que ainda pode melhorar. O grande talento mineiro muitas vezes é debilitado pela falta de treinamento e estrutura de CTs. Nossas jogadoras poderiam ser mais bem exploradas se pudessem se dedicar 100% a uma equipe e saber que aquele time suportaria suas despesas. Ainda havia baixa visibilidade para a Seleção Brasileira, pois o Mineiro ainda não consegue ser alvo das seletivas ou de olheiros.
Como foi pra você jogar no Galo?
Jogar no Galo foi uma paixão e um compromisso pessoal ao mesmo tempo. Minha família tem um carinho enorme pelo time e quando eu soube da oportunidade, me veio à mente que eu jogaria não somente para um time de muitas emoções, mas para um dos maiores nomes do futebol brasileiro. O Galo impõe respeito aonde vai e já foi referencia no futebol feminino. Espero muito que o time volte, belas historias poderiam ser reescritas.
Tem algum jogo da sua carreira que ficou marcado?
Certamente a final do Mineiro de 2009, em que eu marquei o gol da vitória e fomos campeãs, nos classificando para a Copa do Brasil nos últimos minutos. Além desse jogo, adorei jogar contra o Santos FC porque encarei a Formiga, a Maurine e a Ester, que sempre foram referências no futebol para mim.
Você também atuou no futsal enquanto jogava pelo Atlético. Como você conseguiu conciliar as duas modalidades? Como o futsal te ajudou na trajetória do futebol feminino?
São duas modalidades extremamente diferentes, mas fundamentais. Se não me engano, muitos dos nossos ídolos passaram pelo mesmo processo e conciliaram muito bem, temos os exemplos do Ronaldinho Gaúcho e também do Neymar. Acho que o futsal dá uma base muito sólida para o campo, por causa da movimentação e dos 1-2 que acontecem. Esse conceito tático me ajudou muito em situações de campo reduzido ou alta pressão, de manter a calma e achar os ‘buracos’. Joguei futsal e campo por um ano, depois tive de escolher o campo porque estava ficando muito cansada e precisava me dedicar a uma modalidade. Ainda sim, acho que todos os jogadores deveriam aprender com o futsal, pegar a intensidade do jogo e se reinventar no esporte.
Como foi pra você e para as demais atletas o fechamento da equipe feminina de futebol no Galo?
Uma frustração e uma revolta ao mesmo tempo. Ficamos extremamente decepcionadas, nos sentimos marginalizadas da oportunidade de representar um grande time e, principalmente, nos sentimos afastadas do nosso sonho. Doeu saber que nosso sonho não mais estaria dentro das nossas capacidades, mas sim em uma questão político-social. Foi também uma pena perder a referência do mineiro, já que o Cruzeiro também não tinha um time feminino.
O que mudou na sua vida como atleta depois que você foi jogar nos Estados Unidos?
Tudo mudou. Ainda acho que o talento brasileiro e incomparável no mundo todo, mas a estrutura não tem nem como comparar. O que recebi nos meus 4 anos de EUA foi uma infraestrutura que times profissionais masculinos no Brasil não têm. Meu campo é de grama sintética europeia da mais alta qualidade, meu vestiário tem televisão, sofás imensos, cozinha completa e sala de jogos; nosso refeitório conta com mais de 40 diversidades para cada refeição do dia e nosso departamento médico conta com os últimos aparelhos, como o Normatek, Game Ready e todos os outros primes. Academicamente, pude conciliar estudos com futebol e ainda iniciar um estágio, porque o sistema de estudo americano te permite escolher sua própria grade de horários, dando muita flexibilidade na hora de escolher as aulas. Dessa maneira, fiquei muito envolvida no esporte e também nos estudos e vou até completar meu curso de MBA (raro no Brasil) em maio de 2017, tudo sendo pago pelo futebol universitário.
Você acompanha a liga americana de futebol feminino (NWSL)? O que diria sobre a estrutura oferecida pelos clubes e pela federação?
Acompanho muito. Todo atleta tem de estar atualizado no mercado e nos seus ídolos. Não tenho um time especifico que torço, mas tenho como principal referência Alex. Uma liga que comporta varias atletas olímpicas como Alex Morgan tem que ser referência em qualquer país. Sei que a Liga teve seus períodos inférteis e teve que fechar por alguns anos, mas estou muito feliz que esteja viva de novo, bem dinâmica e com bastante visibilidade, com partidas que lotam os estádios e jogadoras celebridades. Essa fama e dinheiro no esporte também são importantes.
Com a nova determinação da Conmebol, em breve os grandes times brasileiros deverão ter uma equipe de futebol feminino. Dentro desse contexto, você pretende voltar para o Brasil? Jogar novamente no Atlético é uma possibilidade?
Parabéns Conmebol pela iniciativa. Há tempos esperávamos essa decisão. Obrigada. E sim, espero voltar ao meu amado país e fazer parte desse momento de muita importância para o futebol feminino.
O que você acha que falta no Brasil para que o futebol feminino, de fato, seja profissionalizado?
O Brasil está cheio de talento e de sonhadoras. Precisamos que esses sonhos se tornem realidade sem depender das mãos dos outros. Precisamos que nossas atletas possam lutar por seu esporte, mas receber exatamente o merecido pelo esforço que colocam arduamente todos os dias. Nossa paixão e fome de bola são fenomenais e será bem estruturada quando a decisão da Conmenbal for estabelecida, quando os times aplicarem verbas acima de $50.000 mensais para os times e quando a torcida começar a lotas estádios. Aí sim teremos uma cadeia positiva: a visibilidade nos trará a televisão, que nos trará patrocinadores, que eventualmente aumentarão a qualidade das competições e assim por diante. Queremos que nossas crianças cresçam querendo se tornar jogadoras e ter toda a estrutura para isso.
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