09.03.2017
Postado por Patrícia Muniz
Elen Campos Munaier é redatora com formação em jornalismo e cinema. Trabalha com branding, ajudando a construir e posicionar marcas. Atleticana de coração, a jornalista escreve para o blog CAMikaze, da ESPN, e enfrente diariamente as batalhas de ser uma mulher na área do jornalismo esportivo.
Para começar, conte-nos um pouco da sua história com o Clube Atlético Mineiro?
Sou uma entre quatro irmãs, filhas de um atleticano fanático, desses que se tornam ícones do time onde quer que vão. Meu pai sempre foi “o” atleticano da família, da rua e do trabalho. Buscando na memória, vejo que ele falou de futebol com a gente de igual para igual, desde muito cedo. Acho que só fui perceber diferenças quando fui crescendo e querendo ir a todos os jogos. Ouvir que não poderia ir porque “eram perigosos” e ver outros primos fazendo o que me era negado, ainda que por pura proteção, passou a me incomodar. Hoje eu entendo: um pai, quatro filhas… Mas fui crescendo e acompanhando pelos jornais, TVs, rádio, internet e indo aos jogos sempre que podia, até ganhar autonomia para ir quando quisesse.
Há cerca de dez anos, comecei a colocar em textos o que eu percebia como torcedora. Até o dia em que fui convidada a assumir uma coluna sobre o Galo em um blog de grande repercussão, o Terreirão, do Christian Munaier. No primeiro ano, criei uma série de vinte textos, inventando histórias e personagens que representavam a torcida do Galo, em suas várias nuances. Desde então minha relação com o Atlético tem sido torcer e escrever.
Como começou sua carreira no jornalismo esportivo?
Desde o início da faculdade de jornalismo eu já percebi que não iria querer trabalhar como profissional da área. Eu logo vi que, para me tornar jornalista esportiva, eu precisaria perder ou ocultar um tanto do meu lado torcedora, passional, e isso eu não pretendia fazer. Futebol pra mim sempre foi um lugar sagrado de divertimento, que não queria transformar em ambiente de trabalho. Foi quando surgiu a febre dos blogs e eu vi ali uma possibilidade de escrever sobre o Galo sem precisar ser isenta ou ter algum compromisso profissional. Era escrever quando quisesse, na forma que quisesse, sem me preocupar em agradar ninguém. Me pareceu perfeito.
No começo, eu fui convidada pelo Christian Munaier, hoje meu marido, para assinar uma coluna no blog que ele comandava, o Terreirão, na Globo.com. Anos depois, recebemos um convite para assumir, juntos, um outro blog de torcedor representando o Atlético, desta vez no projeto ESPN FC. Lá criamos o CAMikaze, o que já fazem três anos.
Quais as principais dificuldades que você enfrentou quando começou a comentar sobre futebol na internet?
No começo não encontrei muita dificuldade. Até porque meus primeiros textos eram de pura exaltação à atleticanidade. Havia quem não gostasse, quem visse como “poesia desnecessária”, mas sobretudo havia respeito. Os problemas começaram a surgir depois, quando passei a utilizar o espaço também para questionar comportamentos do Clube e da torcida, além de exaltar a instituição. E, infelizmente, não são muitos os que recebem bem os questionamentos atualmente.
O que a participação no site da ESPN proporcionou pra você?
Proporciona visibilidade. A ESPN é uma empresa global muito respeitada e, no Brasil, conta com grandes profissionais do jornalismo esportivo. Logo, estar, mesmo que de longe, sob o mesmo guarda-chuva desta marca, faz com que o que você escreva tenha maior alcance. E isso pode ser usado tanto a seu favor, como contra você. Em tempos de intolerância extrema, como estamos vivendo, acaba sendo bastante o segundo caso.
No ano passado, no desfile de apresentação de novos uniformes do Atlético, você não ficou calada e denunciou o machismo em uma nota de repúdio (leia) no CAMikaze. Como foi a repercussão da postagem?
Houve uma grade repercussão, de fato, para o texto publicado no blog sobre o desfile. Não foi uma iniciativa só minha, mas sim de um grupo de mulheres. Após a postagem, houve muita perseguição na rede, ameaças e xingamentos machistas e sexistas. Já faz um ano e o impacto ainda existe. Mas se houve esse levante covarde, também existiu muito apoio. Muitas pessoas se manifestaram a nosso favor, em todo o Brasil, o que nos deu forças para seguir na luta. Uma luta necessária, por mais que alguns insistam que não.
Diante do desfile machista, você acabou encontrando um grupo de atleticanas que também estavam dispostas a lutar contra as opressões no futebol. Como foi a formação da Grupa e qual a sua importância nesse meio?
A Grupa aconteceu naturalmente, tanto quanto o texto que foi postado. Nada foi premeditado, as circunstâncias acabaram por fazer com que mulheres que sentiam o mesmo incômodo se aproximassem, unissem forças e tentassem fazer desse limão uma limonada. A Grupa é uma limonada deliciosa. Hoje, o propósito dela é convidar mulheres e homens que desejam um ambiente menos hostil nos estádios a fazerem companhia uns para os outros. E tem dado muito certo. Dia a dia, mais mulheres que antes tinham algum receio em ir sozinhas ao estádio se aproximam, fazem companhia umas às outras, se dão carona e vão juntas. O que mais impressiona é a alegria com que fazem isso. Colocam o amor ao Galo acima de seus medos, dos preconceitos que sofrem e vão. Simplesmente vão ocupar um lugar que é cada vez mais nosso também.
Qual a atitude que você espera do Atlético para o lançamento do próximo uniforme?
Eu espero uma mudança de postura, não só para este evento, como para qualquer outro. Eu espero que consultem mais mulheres sempre que forem tomar uma decisão importante. Futebol é feito de pessoas e, portanto, de gente que erra e acerta. Não há como não errar, eu diria. O melhor a fazer é pensar bem antes, consultar, pesquisar. O que eu desejo para qualquer ação é um tratamento igual entre torcedor e torcedora, homem e mulher, para que o assunto fique no jogo e não precise ir para outras esferas. Agora, uma vez detectadas as diferenças que colocam a mulher em uma condição diferente (de enfeite e de objeto, por exemplo), elas serão cobradas com o vigor que cada uma merecer – ainda que não por mim, certamente será por outras que pensam parecido. Porque não há dúvida: a luta não vai parar até a desigualdade acabar. E um dia vai acabar. O Galo só precisa decidir se escolhe o lado da mudança agora ou se deixa para aceitar lá na frente, quando uma página infeliz da nossa história poderá já ter sido escrita. Ainda dá tempo e há toda uma boa vontade com o Clube por parte de todas as mulheres quem o amam. Basta o Atlético – e quem decide por ele hoje – querer.
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