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Futebol Feminino,

13.03.2017

Postado por Raisa Rocha

Mulheres do Futebol: Lu Castro

A sinceridade e a generosidade permearam esta conversa com ares descontraídos, tal e qual numa mesa de bar. Lu Castro é mulher de luta, a madrinha da nossa campanha #DáBolaPraElas, uma referência no futebol feminino. 

Jornalista para o Portal Vermelho, Ludopédio e Futebol para Meninas, topou inverter os papeis porque acredita na união das frentes e no poder da divulgação da informação. Uma frente de oposição na modalidade, tem na sinceridade de suas denúncias a sua marca registrada. Senta com a gente, vamos falar sério sem ser pesado!

Inácio Carvalho

Inácio Carvalho

Como foi tua entrada no mundo do futebol feminino, há quanto tempo tu está nessa luta e o que é final que te faz seguir, apesar dos pesares?

A minha vida é futebol, em casa crescemos com futebol o tempo todo, desde que me entendo por gente. Eu tinha blogs num portal que se chamava Olé Olé e em 2005/2006 o editor, o Maurício Teixeira, me sugeriu que abrisse um sobre futebol feminino já que não havia nada sobre, nem no Olé Olé, nem em outros locais. Comecei a procurar notícias e encontrei blogs mal atualizados, mal escritos, e percebi que realmente as mulheres não tinham um espaço decente falando sobre o que elas faziam. Então abri este blog no portal. Passei a ter contato com as pessoas da modalidade e começaram a aparecer situações cabulosas das quais eu já tinha ideias, mas quando você começa a entrar no universo você começa a ver que a coisa é bem pior. Quanto mais eu me envolvia, mais eu sentia a necessidade de continuar produzindo conteúdo, ir atrás e contar a história dessas pessoas. Devo ter então uns dez anos mais ou menos militando pela modalidade.

Seguidamente meninas do Brasil que querem vir jogar em São Paulo te procuram. Como você lida com isso?

Eu entendo como uma responsabilidade, grande. Jamais indico alguém cujo trabalho já tenha sido questionado por algo ou que já se tenha o conhecimento de ser desorganizado, mal estruturado ou com gente canalha à frente, o que no futebol feminino tem aos montes. Procuro sempre indicar quem eu conheço e sei que tem responsabilidade, referências boas, que estão ali para trabalhar pela modalidade mesmo. Você conhece o discurso, desenvolve um feeling pra sacar num aperto de mão, num olhar, nas palavras e nos trejeitos se se trata de alguém confiável ou não. Eu fico feliz também de ver que muitas meninas têm a confiança de me procurar. Eu tenho filhas, me coloco muito no lugar de pai e mãe nessas horas ou mesmo no lugar das meninas. Então, se tiver que resumir meu sentimento em relação a isto é de responsabilidade. E grande.

O teu perfil é de não passar pano e não fazer politicagem, sem papas na língua faz as denúncias necessárias. Como você sente essa abertura, ou não, pra militar através da imprensa?

Em todos os lugares para onde eu escrevi e ainda escrevo, como no Ludopédio por exemplo, sempre tive liberdade. No Lance!, inclusive, nunca tive problemas para me colocar, era muito mais do que fazer matérias. E eu considero isso importante, porque sempre pensei que o futebol feminino precisa caminhar numa direção independente, precisamos de um parâmetro bom para seguir e eu acho que o futebol masculino não é. Estar no pé do masculino não é saudável. É preciso se estruturar de outra maneira e pra termos uma modalidade saudável é preciso mostrar o que rola de errado, o que fere a lei, o que não é ético e onde que se tem responsabilidade ou não. Sempre entendi que elas são trabalhadoras e têm que ser tratadas e respeitadas como tal, minha briga foi sempre em cima disso.

Eu entendo que muitas pessoas precisam de segurança, eu sou desapegada, se me disserem que posso perder algo, f***-se, se estou perdendo por um lado ganharei em outro, ganharei minha liberdade. Não gosto de ambientes opressores e acho que no trabalho e na vida você tem que ter um ambiente bom, leve. Foi por isso que comecei de fato a militar. Não era apenas trazer visibilidade ao futebol feminino, mas colocar a situação às claras, senão acontecem coisas que não podem continuar acontecendo. Não podemos aceitar um assédio, um abuso, o descumprimento da lei. Nisso que sempre pautei meu trabalho e sempre me vi com muita liberdade. E não poderia ser de outro modo, se recebesse qualquer retaliação seria “adeus”. Graças a Deus sempre fui muito respeitada, pelo menos na minha frente.

E hoje dá para se dizer que as mídias digitais e os veículos independentes são os grandes novos parceiros de luta?

Sem dúvidas. Sempre escrevi via lugares independentes, pela mídia alternativa. Exceto que comentei um jogo na Fox, no Brasileirão 2014, e escrevi no Lance!, que acaba sendo uma grande mídia. A grande sacada de todos esses movimentos é que tenhamos informações sobre o futebol feminino, sem eles estaríamos de repente ainda dependendo de grandes portais. Foi uma conquista, é um impulso, há muita gente interessada em falar, as redes sociais deram uma força na militância. Uso muito o Twitter sempre que algo está errado. São fundamentais pra manter e para melhorar o nível da informação.

O que tu já viu acontecendo de mais efetivo por intermédio das mídias independentes?

Vou falar da minha experiência. Foi graças ao blog Futebol para Meninas, no Lance!, que se abriu o caminho para que em 2015 eu fizesse a curadoria pro SESC de uma exposição contando os 20 anos de Futebol Feminino nas Olimpíadas. E também possibilitou muitas coisas em parceria com o Museu do Futebol, um espaço que foi aberto em 2011 com as reuniões do MemoFut, onde eu era e ainda sou a representante do tema no grupo. Abriu espaços também pra manifestações e encontros muito importantes, como o Ciclo de Debates, que foram 9 reuniões ao longo de 2015 e comecinho de 2016 tratando de todos os assuntos voltados à modalidade com profissionais das áreas da saúde, da gestão e até mesmo da comunicação com a Record, Lance!, Central 3, Planeta Futebol Feminino e Dibradoras.

Recentemente você jogou um balde de água fria em quem estivesse deslumbrado com a entrada dos times de camisa: você disse que “é um verdadeiro fast-food do esporte, aquela alimentação muito meia boca que não produz nada além de futuros problemas de saúde”.

Não é legal, tiraram muitas equipes das disputas. Foi um equívoco enorme o encerramento da Copa do Brasil, que havia completado 10 anos e dava legitimidade para várias equipes, visto que ao menos uma de cada estado participava da competição nacional. O modo de ranqueamento para entrada dos clubes foi ridículo, nos coloca atreladas ao masculino e eu não gosto desse sistema. Ao invés de priorizar os clubes que há anos vem trabalhando com o futebol feminino, que há anos lutam contra tudo e contra todos fazendo o diabo para manter as meninas, entra alguém com a camisa porque o time masculino ficou entre os 6 primeiros do Brasileirão. Isto não é saudável, vira espaço de caridade para gerente incompetente pois, além de tudo, esta determinação também está bastante atrelada à lei do Profut, que é muito mal escrita. Quer dizer, ainda continuamos fazendo as coisas nas coxas. Se vai fazer algo, faça bem feito, é como você cozinhar para alguém; você faz com carinho, amor, e não com o saco cheio porque é teu trabalho e está sendo pago pra isso. E eu sinto que muita gente faz as coisas de qualquer jeito, falta boa vontade dos clubes e baterei nessa tecla até ver um time de camisa fazendo diferente. O único clube que faz a coisa direito é o Santos.

E o que hoje está realmente sendo feito de forma a correta, aonde dá pra se animar?

Tem algumas pessoas bastante interessadas em fazer a modalidade se desenvolver, são poucas, mas estão dando o gás. Eu não canso de citar o Santos, é o exemplo perfeito de que dá sim para fazer. Em 2011, no primeiro encontro sobre futebol feminino a pedido do MemoFut e com a ajuda do Museu do Futebol, levei o Marcelo Teixeira para falar sobre o projeto das Sereias da Vila. O que ele apresentou, além do que eles pensavam sobre a formação da equipe, era de colocar um patrocinador exclusivo para o time feminino, de uma simplicidade e de uma genialidade que eu não tinha visto até então. Ali deu para perceber que é possível. Mas isso ainda depende muito ainda de quem está no comando e há um fato incontestável: enquanto tivermos pessoas com o olhar voltado para uma para um único futebol, veremos as mesmas coisas acontecerem. Se o Santos conseguiu, porque os outros não conseguiriam? Como depende muito da gestão, sobre os clubes de camisa eu tenho lá minhas dúvidas, fico muito com o pé atrás.

O que me deixa esperançosa é a competição sub-17 da Federação Paulista, que só está acontecendo porque a Aline Pellegrino está lá. Trabalhar a base é fundamental, após 2008 nós perdemos uma geração genial que está chegando ao final de sua carreira. Não aproveitamos a Marta, Cristiane e Daniela Alves como deveríamos. Por mais que elas brilhem individualmente, foi praticamente inexpressivo a respeito de conquistas para o coletivo.

Vi como positivo a abertura de um espaço dentro da CBF pra pessoas ligadas ao futebol feminino. Por mais que eu discorde da CBF em várias coisas, foi um momento para falar, pontuar e apontar o que seria o ideal, mesmo que eles não façam 100% do que este grupo determinou como, por exemplo, a criação de departamento de futebol feminino com uma mulher à frente, o que ainda não vimos acontecer. Há também a regionalização das convocações e a base de dados pra seleção, o que é impressionante. Outro ponto é a Emily, uma técnica diante da seleção principal com liberdade para escolher a sua comissão e eu sei que ela se cercou de gente muito boa. Também o trabalho de integração com as seleções sub-17 e sub-20, de uma maneira diferente da anterior com o Fabrício Maia. Ainda acho que a CBF Social trabalha muito direcionada a contatos enquanto tem gente aqui em São Paulo, por exemplo a Ita Maia, na Zona Leste, que faz um pu** trabalho e que poderia e deveria receber a CBF Social. E eu começarei a cobrar. Essas são ações que me animam.

A Emily tem usado o termo de “legado” a respeito do projeto iniciado com o banco de dados, o que é mesmo uma grande sacada, porém, se dá num contexto peculiar, parecendo ser uma compensação a um calendário que continua vazio. Não fica uma sensação estranha com convocações sem jogos?

Sim. É esse o modo que a coordenação do futebol feminino da CBF pensa: “não temos dinheiro para ir pra Algarve”. O Brasil deixou de participar da Copa Algarve por muitos anos, praticamente 20, voltou por causa das Olimpíadas e agora “não temos dinheiro para isso”? Mas o Marco Aurélio está indo pra China… eu não confio no discurso dele. Mas ela (Emily) fez o que deu para fazer com o que tinha na mão. Temos 3 datas Fifa até o final do ano. Em 2019 tem Copa, como trabalhar com o que te sobra diante de uma a Confederação que, ao que me parece, morde e assopra? Este era um ano pra jogar, imprescindível. Ao final do ano teremos outro Torneio Internacional, que vai do nada pra lugar nenhum e, inclusive, algumas atletas não fazem questão de participar. Sempre fica algo faltando e isso é porque não temos uma mulher na coordenação, não tenho medo de afirmar que se tivéssemos uma mulher, tudo estaria caminhando melhor.

Além disso, duas competições – Brasileiro e Copa do Brasil – seriam oportunidades para observar, como ela fez quando esteve à frente da sub-17, indo em tudo quanto é lugar assistir aos jogos. Hoje, como fará isso com um Brasileirão sem diversos de times? Quantas unidades da Federação deixaram de participar do Brasileirão que, inclusive, tem menos datas do que se esperava? Quer dizer, continuam fazendo meia boca. E por quê? Porque quem está lá não viveu o futebol feminino, não são todos, mas quem manda não viveu. E esta é uma questão na qual precisamos continuar falando, exigindo, cutucando e chamando para o embate. Precisamos de mulheres para cuidar do futebol, enquanto tivermos homens sem vivência e que não estejam trabalhando exclusivamente para a modalidade, certas coisas não vão caminhar.

Com mais mulheres ocupando cargos teríamos, inclusive, um caminho a mais para trazer as meninas, incutir uma consciência de classe, de que o negócio é delas e que elas podem viver disso, mas que precisam ser mais aplicadas, estudar, ter postura mais profissional. A postura da maioria hoje prioriza o individual e não agrega para modalidade.

Hoje fazemos parte deste novo feminismo com meninas muito jovens incluídas. Dentro disso, você acha que é um momento histórico para as mulheres no Brasil, no futebol, no mundo?

Pergunta difícil. Também vejo muitas meninas na pegada, vejo minhas filhas, a Marina e a Laura, suas amigas, uma nova geração se atualizando, se posicionando, dá muito ânimo, mas no futebol eu não reconheço este movimento. Vejo raras meninas interessadas no que eu falo ou em conhecer a própria história do futebol feminino. Fazem parte de uma categoria, uma classe, da qual sabem quase nada. Vejo apatia e desinteresse de muitas atletas, não de todas, mas a maioria não quer saber de estudar, muitas têm a oportunidade e não se aplicam. Este aspecto eu vejo com muita preocupação.

O movimento não é de fora pra dentro, teríamos que ter um movimento de dentro para fora e mais dentro do que as atletas é impossível! São elas que precisam tomar a rédea das coisas, se posicionarem, quando não há ambulância ou médico numa partida dizerem que não jogarão enquanto não chegarem porque é a segurança delas. Muitas vezes elas jogam porque a ajuda de custo fala mais alto. Eu compreendo, não sou insensível, mas é justamente por causa dessa situação que se deve bater o pé, que não se pode deixar escravizar, não pode deixar abusarem. Não adianta eu, do lado de fora, ficar cobrando. As jogadoras não têm referências femininas no futebol, encontro meninas que querem ser igual o Neymar. Você pode ter uma admiração pelo Neymar, não tô dizendo que não, mas há veteranas que enfrentaram muitas coisas para você poder estar jogando bola de uma maneira que não é a ideal, mas melhorou.

É preciso cuidar da base também nesse sentido, não é só o técnico, tático, não se trata só de fundamentos, temos que trabalhar a cabeça da menina que toda hora ouve que é craque. Ok, você é craque, mas não passou por nada ainda. Eu gostaria que o trabalho na base também fosse de orientação profissional, histórica e de valorização. É preciso entrar com isso nos clubes e aí há uma série de fatores, quem está no comando não quer ninguém pensando porquê os gestores são homens e eles querem continuar exercendo o que exercem. Ainda é prática muito comum a retaliação à quem cobra, exige e fala o que pensa. O jeito de cortar isso é com a atleta, é um trabalho muito grande, eu gostaria muito de conseguir chegar na mente das meninas.

E sobre a questão da consciência das arquibancadas, recentemente tivemos o caso do Atletiba, com torcedores deixando de lado a rivalidade e se unindo em prol de interesses e lutas que são comuns aos torcedores de todos os clubes. Tu acha que as arquibancadas têm consciência dessa força, que há a possibilidade do torcedor se transformar num agente social ativo ou isso é utopia?

Foi um momento espetacular, uma demonstração de que a classe trabalhadora e os trabalhadores que fazem parte arquibancada, que é o conceito de povo, têm toda a força. Não acho que seja utopia, acho que temos uma geração pela frente com consciência política maior, da importância das liberdades, sua preservação e manutenção de direitos. Estamos vivendo um processo muito interessante, bastante difícil é verdade, mas que é pro nosso crescimento, costumo pensar que crescemos com as porradas da vida. Marujo não se cria na calmaria, não é verdade? É um momento interessante, importante, de muitas dificuldades, bagunça, confusão, todo o tipo de manifestação… as pessoas que tinham um pouco de vergonha de expôr seus preconceitos e os defensores da elite estão bem à vontade, o que na verdade não deixa de ser uma vantagem, porque podemos identificar e de certo modo tentar limar.

Há exemplos práticos com a nova geração e os movimentos de arquibancada são importantes por isso, acho que tem muito mais gente interessada em mudar essas situações e fazer valer a característica popular de futebol. Não é a característica que tínhamos no começo do século XXI, que era aquele futebol da elite, fomos quebrando isso e a gente não pode retornar. Eu vejo uma espécie de eterno retorno (Nietzsche), mas acho que é o momento de manter a luta. Não que não seja utópico, mas há um pouco de utopia em todo idealista. Conseguimos mudar um pouco o panorama, mostrar as possibilidades que muitos não acreditavam existir e sempre há de ter alguém para puxar o cordão. Tem que falar, estar na linha de frente, e eu acho que os movimentos de arquibancada são fundamentais para isso.

 

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