17.03.2017
Postado por Jéssica Mendes
Jornalista das boas, fala de futebol assim, como se dá bom dia, tranquilamente e com propriedade do assunto. Sempre gostou de esporte, de futebol, quando optou por cursar jornalismo já sabia que iria se enveredar para o ramo esportivo. É formada pela Universidade de Brasília. Não esconde de ninguém sua paixão por um certo Timão. Não foi a pioneira, mas uma das primeiras a desbravar a cobertura do futebol em grandes jornais, como Folha de S.Paulo, Lance! e Diário do Grande ABC, a revista Veja São Paulo e as emissoras Rede TV! e Record. Atualmente é colunista no jornal Estado de S.Paulo.
Porque a escolha pelo esporte na carreira de jornalismo? Houve uma escolha ou circunstâncias profissionais te levaram para esta área?
Eu sempre quis trabalhar com futebol, sempre gostei e assisti futebol. Sou a única mulher de uma família de irmãos e primos homens dos dois lados, sou a única neta dos meus avós. Não sei quando foi que eu comecei, mas eu fui levada a gostar… eu me lembro de sempre gostar. Na minha memória eu sempre gostei de assistir, portanto, aprendi desde pequena. Tenho uma memória futebolística boa porque não é uma coisa que foi por acaso quando eu tinha vinte e poucos anos, foi algo que eu construí ao longo da vida, me ajudou muito, quando eu fui fazer faculdade eu sabia que queria o esporte.
Como foi sua entrada na editoria (predominantemente masculina)?
Foi difícil, na verdade é difícil para qualquer um a qualquer tempo. Eu tenho essa vantagem, pois já estava “acostumada” com esse ambiente masculino porque em casa era assim, com meus amigos era assim, na faculdade para falar de futebol sempre foi assim. Obvio que profissionalmente há um degrau acima e você é testado o tempo inteiro para saber – vou falar o clichê – se você sabe a regra do impedimento. Eu me lembro que quando eu entrei na Folha, que foi meu primeiro emprego, não a pessoa que me fez a entrevista (que não estava no dia), mas na época o subeditor, no meu primeiro dia de trabalho virou pra mim e falou “eu não gosto de mulher falando de futebol”. A minha resposta foi que “você tem que gostar de futebol, não tem que importar quem está falando, não precisa ler a assinatura da matéria”, porque esse é o espírito, isso foi em 2000, nós estamos em 2017, as coisas melhoraram muito.
Quando eu entrei no esporte da Folha não tinha mulher que fizesse futebol, tinha a Valéria Zukeran no Estadão que fazia outros esportes e depois começou a fazer um pouco. Não tinha ninguém no Lance, no Jornal da Tarde, nem no Diário ou na Gazeta Esportiva. Até tinha mulher no vôlei, fechando jornal ou descendo matéria, mas fazendo não. Até tinha apresentadora de TV, mas quase não tinha repórter e pras que tinham era muito difícil fazer futebol. Depois a Patrícia Maldonado começou na SportTV, a Adriana Bittar na Record, podia se contar nos dedos, coisa que hoje não é assim, o que eu acho ótimo.
Ainda existe, não falo que é um preconceito, é conceito. Acham que mulher não entende de futebol e na verdade é tão imbecil quanto achar que homem não sabe cozinhar. Não me apego a essas coisas, eu também não trabalho para fazer um conceito sobre todas as mulheres, eu faço para as pessoas entenderem que eu sou uma boa jornalista. Eu não acho que todos os homens entendem de futebol e também não acho que todas as mulheres entendem. É um assunto em que algumas pessoas se destacam. Gênero para mim é o menos importante porque tem um monte de homens e de mulheres que não entendem. Não é “a mulher entende de futebol”, generalizar é meio ridículo, até porque nem toda mulher se interessa por futebol. Eu também não entendo nada de basquete, adoro, assisto eventualmente e até já trabalhei em Olimpíada, mas não entendo. Sou especialista de futebol. Também não lamento “oh vida, oh céus, sou mulher”.
É mais difícil, é, como é mais difícil em outras carreiras para todas as mulheres. Infelizmente (no futebol) ainda é mais difícil. Fica mais caricato porque é uma coisa tipicamente do lazer masculino, não é nem do entendimento masculino, homem gosta de jogar, de se reunir e assistir um jogo, mas não significa que ele entende. É uma borracharia, é trabalhar na borracharia, mas eu não fico muito presa nessas coisas.
Se existem competições nas categorias masculina e feminina, por que as mulheres pouco figuram como notícias nos cadernos esportivos de jornais? Você acha que isso acontece porque há mais homens cobrindo esportes?
Das mulheres que entendem de futebol poucas assistem (o feminino), porque não tem onde. Eu faço futebol feminino, já fiz mais, mas não tem transmissão, não tem cobertura, as assessorias de imprensa não fornecem informação, as pautas são ruins, é um círculo vicioso. Não há e nem se cria o interesse. Há o interesse na Olimpíada ou quando tem premiação da FIFA e a Marta está lá. É um problema dos dois lados, o futebol feminino não se faz atrativo não pelo jogo em si, mas o entorno: a assessoria de imprensa, o clube… não tem repercussão. Você fala no vazio, e jornalismo não é falar no vazio.
Você noticia a notícia, quando deixa de ser notícia aí vira especial, quase entretenimento. Futebol feminino não gera notícia. Os campeonatos não são regulares, não tem “ah, esse ano ganhou um time, no outro ganhou outro, a Copa é assim…”, agora, com essa coisa da Libertadores, que os clubes tem que ter um time (feminino) para participar do torneio, é uma pequena sementinha, mas é importante, e isso significa bancar o time, aí o clube vai ter que tentar fazer receita e fazer inclusive a engrenagem ao contrário. Pra fazer receita é preciso ter um patrocinador, que vai querer aparecer, vai começar a virar notícia, as pautas começarção a chegar… Não estou dizendo que jornalista só vive de assessoria de imprensa, mas neste caso o produto ainda não é sedutor ao ponto de chegar para o meu filho e falar “ah, você viu se o time tal feminino ganhou ou perdeu?”.
Acho que tem o movimento contrário, tem um coitadismo desnecessário. É legal, é interessante, o Brasil tem jogadoras, mas fica sempre batendo na mesma tecla, sem sair do lugar. Tem que fazer diferente para ter um retorno diferente, não adianta fazer a mesma coisa e esperar que algum dia se tenha um estalo e as pessoas digam “então vamos assistir”, não vai ser assim. Antigamente tinha campeonato antes e talvez seja um jeito, ter um campeonato feminino que sempre anteceda o masculino, as pessoas já estão no estádio, elas vão assistir. Não adianta falar “quero o nosso público”, tem que ser aos poucos e constante o investimento e a receptividade, como o vôlei no Brasil. Nós que entendemos de vôlei na Olimpíada temos que entender que tem um nível onde se consegue chegar. Sabemos o nome da Rafaela Silva quando ela ganha medalha e passamos 4 ou 5 anos sem ouvir falar dela, igual ao masculino que ganha no judô.
No caso do futebol acho que tem espaço, mas penso que algumas coisas têm que ser mudadas para ser um pouco mais atrativo, por exemplo, no vôlei a rede é mais baixa, talvez no futebol feminino o campo deva ser menor para ter jogo e não acho que isso diminua o papel da mulher, o recorde masculino de 100 metros rasos é mais rápido do que o feminino, é uma coisa fisiológica. Já ouvi de especialistas em vários congressos ideias como mais substituições, para ter sempre jogadora mais condicionada no jogo e outras coisas que poderiam ser mudadas para o jogo ser mais interessante, trazer público e etc.. Não mudar as 17 regras, mas algumas delas.
O que acha dessa nova regra da Conmebol de obrigatoriedade dos times participantes da Libertadores terem que criar equipes femininas?
Funciona como as cotas nas universidades. Precisa acontecer em algum momento para as coisas se equilibrarem. Porque do céu não vai cair. Vão chiar? Vão chiar, mas é um pedágio para pagar essa conta e aí a engrenagem começa a girar a favor e não contra.
Você acha que as mulheres ainda estão longe de integrarem importantes cargos nas comissões técnicas e diretorias de clubes masculinos?
Acho, acho que é mais difícil do que no caso de ser jornalista e isto não é um preconceito, é um conceito meu. Pra você chegar num vestiário masculino e falar “hoje a preparadora física é uma mulher”… quanto menos preparada, do ponto de vista educacional, for a pessoa – homem ou mulher – mais fácil é de ela não entender mudanças. O São Paulo tem há anos a Roberta Rosas que faz hidroginástica, hidroterapia e já está acostumada, mas já escutou muita gracinha. É preciso ter e é difícil porque é um gueto, os jogadores são super machistas, a maioria deles, e dificilmente entenderiam isso como hierarquia. É difícil, mas necessário, tem que ter a primeira para ter a segunda, a terceira…
Também não vejo – não sou nenhuma especialista – nas palestras que dou nas faculdades de educação física nenhuma mulher levantar a mão e dizer que quer ser técnica de time de futebol ou que quer ser preparadora física. Elas têm outros interesses, são poucos os casos. Se você pegar os times de série A, são 20 preparadores físicos. Quantos educadores físicos têm por ano? Já é um nicho muito pequeno, sejam homens ou mulheres, então se você não tem uma grande massa de mulheres se preparando para isso cada vez o funil é menor, um gueto.
Você assume publicamente seu time do coração (o Corinthians), isso já lhe causou algum problema como comentarista de futebol?
Já me trouxe, mas acho que no final das contas me traz mais vantagens do que desvantagens. Quando eu comecei a fazer futebol só eu fazia na Folha. Eu era mulher, loira, não ia trabalhar de tênis, blusa amarrada na cintura… já tinha um monte de coisas para as pessoas me falarem, eu não ia virar e dizer “eu torço pro XV de Jaú”. Eu torço pro Corinthians e isso não muda resultado. Acho que essa posição é mais interessante do que um “eu gosto, entendo, mas não torço pra ninguém”. Se torcer pro Corinthians mudasse resultado ele ganhava todo ano, não ganha. É tão óbvio, acho que é educar a plateia: eu torço, você torce, a gente se respeita e esse é meu trabalho. É mais honesto para a pessoa que me ouvir. Se ela for palmeirense eu falo “não foi pênalti ou foi pênalti”, porque eu acho, ou que “o time está jogando mal por causa disso ou daquilo” porque eu acho e pronto, da mesma forma como eu falo do Corinthians.
Creio que o histórico e a bagagem vão fazendo você criar respeito independente do time que você torce. Já tive problemas? Já. Escuto uma coisa ou outra? Escuto, mas para minha carreira foi importante ter dito para qual time eu torcia, óbvio que eu não ando com uma faixa ou com uma camisa escrita “eu torço pro Corinthians”, mas se alguém perguntar, torço.
Você vai ao estádio?
Sim. Todo mundo escolhe o time antes de escolher a profissão. Eu não sabia que ia ser jornalista quando escolhi ser corintiana.
Para encerrar: O hexa vem em 2018?
Acho muito cedo para falar. Ainda que o começo do Tite tenha sido inacreditável, né!? Ninguém apostava, nem se tivessem contratado Pep Guardiola achava que seriam seis vitórias, mas o Brasil não jogou contra ninguém. Tirando a Argentina em Belo Horizonte, que é um confronto sempre nervoso e difícil lá e aqui e o Brasil tem sempre muita sorte, ganha mais do que perde. Mas, quais dos times que o Brasil ganhou jogou uma final ou semifinal de Copa do Mundo? A seleção precisa fazer amistosos contra times maiores.
Infelizmente ou felizmente não fomos para a Copa das Confederações este ano, que seria um bom teste. Amistoso é amistoso, jogo é jogo. Haverão alguns contra seleções melhores, mas é a primeira vez que fará um voo meio às cegas para a Copa do Mundo, porque vai enfrentar esse tipo de equipe só em amistoso e tem aquele jogador que o time não liberou, que está machucado… não tem a mesma importância. Desde a Copa de 98 o Brasil sempre participa da Copa das Confederações. Tem uns times mais ou menos? Tem, mas sempre tem europeus. Haverá amistoso contra Alemanha, estão tentando um com a França… eles se preparam melhor para a Copa, as eliminatórias europeias são mais difíceis e a Eurocopa é uma mini Copa do Mundo porque acontece sempre no intervalo da Copa. Tirando o Brasil e a Argentina, um que ganhou a última vez em 2002 e a Argentina que já ganhou duas, todos os outros campeões do mundo são europeus, não é coitadismo ou complexo de vira-lata, é fato. Eles estão acostumados a jogarem contra eles mesmos e nós não.
Não sei se vem (o hexa). Acho que melhorou muito a seleção com o Tite; tem time, tem padrão, os jogadores gostam do técnico, isso é subjetivo, mas é importante. O Dunga nunca teve essa relação com o jogador e de algum jeito o Tite teve uma sorte absurda com o Gabriel Jesus, ninguém achava que ele ia chegar e vestir a 9, virar o camisa 9 da seleção. Não acontecia isso desde o Ronaldo e aconteceu agora com Gabriel Jesus, nenhum outro técnico teve essa “sorte”, não sei se vem, mas acho que não vai ser um vexame.
Não vamos repetir um 7×1…
Não é nem o 7×1, que ficou marcado, mas se você pensar, o Brasil fez uma péssima Copa do Mundo. Estreou contra a Croácia e ganhou roubado no Itaquerão, jogou contra o México e empatou 0x0, ganhou de Camarões de 3×1 porque eles já estavam eliminados, pra ganhar do Chile foi daquele jeito. O melhor jogo do Brasil foi contra a Colômbia, quem é a Colômbia? Aí perdeu de 7×1 e depois de 3 para Holanda. Tudo foi muito ruim, insistimos em erros primários. Felipão e Parreira fizeram uma dupla e disseram “vamos ganhar porque vamos ganhar”, desculpa, não é assim. O vexame só é lembrado pelo 7×1. É a maior vergonha da história do futebol, o favorito era o Brasil, jogando em casa, foi goleado de uma forma infantil, parecia time de criança contra um time de adulto, então fica marcado, mas a Copa inteira foi muito ruim.
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