14.03.2017
Postado por Renata Figueira de Mello
Pera lá! “Mulheres do Futebol”? – vocês vão pensar – “Como assim? Ela é apenas uma garota!”. Sim ela é muito jovem. Apenas 22 aninhos. Voz de veludo, de garotinha mesmo, com um certo ar de timidez – que ela vence, pra valer, nos gramados jogando muita bola. Na hora de falar, muito calma, timbre manso e revelações incríveis de uma menina apaixonada pelo futebol e pelo que faz.
Letícia Santos é hoje uma jogadora profissional, lateral direita, que já tem anos de experiência, muita coragem e histórias pra contar. Ela é a única brasileira atuando na Liga Alemã de Futebol Feminino Nível A. Chegou há pouco mais de um mês, mas espera muito de sua estada, atuando pelo SC Sand. Como ela fará para se virar no alemão? Isto não é problema para quem jogou os últimos dois anos na Noruega. Nem o frio assusta, nem a distância. Ela é valente e encara de frente esta oportunidade que a vida lhe deu.
Neste mês em que falamos com mulheres destacadas do nosso futebol, abrimos o livro de Letícia pra ela contar sua história, que teve pré-estréia na escolinha de futebol do Legionário, em Bragança Paulista, interior de São Paulo e, depois, na Big Soccer, em Atibaia (foto), onde ela jogava com os garotos e sobrava na ginga. Hoje, já sobra na experiência…
Que tal começarmos do início, Letícia? Do seu despertar para o mundo do futebol?
Meu interesse pelo futebol veio cedo, quando eu tinha por volta de 7 anos. Eu assistia aos meninos jogando na escola e queria participar, porém era ainda da primeira série, e menina, então… nunca deixavam. Foi daí que pedi uma bola para os meus pais e eles nunca questionaram esse meu pedido e menos ainda levar a bola pra escola (rsrs). Alguns meses depois, meu tio me ofereceu um ano para treinar em uma escolinha de futebol com os meninos e desde o primeiro treino meus pais não pararam de me incentivar. Especialmente meu pai, por entender mais de futebol, sempre procurou me orientar e ensinar para buscar o melhor de mim e nunca parar de melhorar. E quando eu vi, pela primeira vez, nas Olimpíadas de Atenas, a seleção feminina jogando… algo bateu no meu coração: que eu queria ser como elas, atleta de futebol! Em 2007 tive mais certeza ainda do quanto queria ser profissional do futebol e passei a treinar muito para esse sonho tornar-se realidade.
E como foi que você partiu pra realizar esse sonho? Por onde passou? Como foi seu caminho?
Bom, em 2010, quando eu tinha 15 anos, comecei a procurar peneiras de clubes pela internet. Acabei passando numa peneira do Palmeiras, o treinador na época era o Marcello Frigierio, que descobriu minhas características para atuar como lateral. Eu aprendi a jogar na posição com ele e sou muito grata. Tive a oportunidade de passar por vários técnicos e levo comigo o que aprendi com cada um. Essas lições a gente soma demais na bagagem, pra jogar cada vez melhor.
Então… comecei no Palmeiras e, no começo, foi complicado porque meus pais precisavam arcar com os meu gastos para me manter no time e me bancaram até eu receber o primeiro salário. Depois passei pelo Bangu, Santos, Kindermann, por 2 anos no XV de Piracicaba e meu último time no Brasil foi o São José EC, pelo qual fui campeã Mundial de Clubes (uma conquista que me abriu portas!).
Também tive uma passagem pela Seleção sub-20, em 2014, fui campeã Sul Americana e participei do Mundial, no Canadá, onde não nos saímos bem, mas que me ensinou muito. Foi um tempo de amadurecimento.
Como foi que você conciliou estudo e esporte nesse período? E agora, fora do Brasil, você ainda estuda? Está na faculdade?
É claro que foi um pouco cansativo: treinar e sair correndo do treino, jantar correndo pra dar tempo de chegar na escola… Nem sempre foi fácil, mas acho que estudo e esporte se dão bem porque ambos exigem disciplina, então no final deu pra conciliar bem. Concluí o segundo grau e assim que pintou a oportunidade de jogar como profissional na Noruega, pelo Avaldsnes, que tinha sondado a Marta antes de mim, nem pestanejei! Foi uma chance conseguida pelo meu empresário, o Luís. Mas não foi um convite de uma Universidade, com bolsa e tal, como acontece em alguns países como Estados Unido e Canadá. Era liga profissional mesmo, pra valer! E eu encarei. Chegando lá, claro que estranhei tudo: frio, cultura e modo de jogar diferentes, mas era algo pelo qual eu tinha que passar, uma experiência inédita pra mim, uma forma de crescer como atleta e como pessoa. Um desafio pelo qual eu venci a minha ansiedade. A faculdade teve que ficar em segundo plano.
Tive sorte de ter companheiras brasileiras lá na Noruega: a Rosana, Debinha (atacantes), Viviane (goleira), Andréia (zagueira) e a Thorunn (volante islandesa campeã pelo Santos nos títulos da Libertadores de 2009 e 2010). Elas me ajudaram no inglês, no dia-a-dia e na minha adaptação ao time. Elas foram a minha família na Noruega.
Ainda tenho muito pela frente mas já agradeço muito a Deus por ter me permitido essa dedicação ao futebol. Através dele eu conheci pessoas maravilhosas, viajei muito, aprendi inglês na raça e conheci lugares lindos. É claro que ainda penso em fazer faculdade e me formar. Entendo que isso é fundamental porque a carreira de atleta é curta. Mas nesse momento preciso, primeiro, me firmar como profissional.
Sim. E neste momento sua realidade é o SC Sand… Agora sem companheiras brasileiras por perto, mas também mais segura e experiente, ainda que tão nova. O que você espera desse novo ciclo? Só quatro brasileiras encararam a BundesLiga antes de você, como chegou ao futebol alemão?
Pois é, estou aqui há quase dois meses e neste pouco tempo, tenho me adaptado bem. A gente sempre espera que os alemães sejam mais ríspidos e frios, mas pelo contrário, desde o meu primeiro dia no time fui super bem recebida. É uma equipe que tem muitas estrangeiras, então todas curtem muito essa troca de culturas e são simpáticas. Gostei da recepção e do time. Aqui o futebol é técnico e muito rápido, exige preparação física, porque usa força, e muito foco no esquema tático do treinador.
Aliás quem me trouxe para cá foi o Colin – técnico que acaba de deixar o clube para treinar a seleção da Irlanda. No primeiro mês, de treinos e amistosos, ele me manteve como titular e assim foram nas primeiras partidas de returno da Copa Alemã (infelizmente perdemos, mas eu tive atuações elogiadas). Colin Bell foi campeão da UWCL na temporada 2014/15 treinando o FFC Frankfurt, ele trabalhou comigo na Noruega e apostou na minha capacidade. Logo que saiu foi substituído pela auxiliar Claudia, que manteve seu esquema tático. E agora acabou de assumir o técnico Richard Dura, que me manteve na posição, como uma lateral mais ofensiva pela direita. Estou otimista. Estamos em sétimo lugar na Liga, mas acho que a equipe vem crescendo e tem boas chances de levar o título da Copa. Tomara!
Bom, Letícia, precocemente você já está realizando o seu sonho de profissionalismo e de experiência internacional. Teve algum tempo em que ele pareceu impossível? O preconceito atrapalhou? E mais: qual o próximo sonho? A seleção adulta de Emily Lima?
Vamos por partes… Claro que além dos sonhos pessoais, estar na Seleção principal e ganhar um título de Copa do Mundo ou Olimpíada estão no topo. Mas antes, quero conquistas aqui na Alemanha, onde vou atuar por um ano e meio. Acho que os meus sonhos pessoais serão alavancados pelo meu bom desempenho no futebol. Ele tem me dado tudo o que tenho até aqui e sei que dará mais. Ainda não conversei com a Emily, mas sei que ela está de olho em todas as jogadoras que atuam no Brasil e fora. Farei de tudo pra conquistar o mérito de vestir a camisa da seleção outra vez.
Quanto ao preconceito… a mim não atrapalhou porque meus pais sempre foram compreensivos e me deram apoio. Mas a gente sabe que tem. Pra muitas pessoas o futebol feminino ainda não é levado a sério e passa a ser motivo de piada quando uma menina escolhe o futebol como o seu esporte. Eu nunca me preocupei com o que achavam. Lugar de mulher é onde ela quiser. Inclusive eu dou um conselho para as meninas novinhas, vidradas no futebol, para que não fiquem pensando no que “os outros” vão pensar. Se você tem esse sonho mire no seu alvo, tenha objetivos, tenha fé, se esforce, trabalhe, dê o máximo de si, para alcançá-lo. E acredite: longe ou perto, ele é possível e depende de você.
Fotos: Arquivo Pessoal e Divulgação SC Sand
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