10.08.2017
Postado por Mariana Moretti
No início da semana, o Camp Nou recebeu os jogadores da Chapecoense para um amistoso pelo troféu Joan Gamper 2017. Para aqueles que não acreditam que o futebol é a celebração da vida, um consolo: nenhum acidente comoveu tanto torcidas tão distintas entre si ao redor do mundo como o triste episódio envolvendo o time da Chape. Sobre a partida, digníssimo jogo que a Chape apresentou diante dos melhores jogadores do mundo. Cresceu o goleiro Elias, que bravamente encarou os mísseis dos pés de Suárez e Messi, e quando substituído por Artur Moraes, esse brilhou ao defender um pênalti que poderia ter sido o sexto gol do Blaugrana. E pensar que no longínquo ano de 1992, o Barça bailava para conter Raí e companhia, guardando dois gols na final do Mundial em Tóquio, com direito a um chapéu em ninguém menos que Pepe Guardiola. Perdoem-me o saudosismo, mas é sincero e justifica a esperança em dias melhores.
Por que é tão bonito ver o futebol-magia do Barcelona e das grandes equipes? E o que esse jogo amistoso tem a ver com o São Paulo? Um fator chama a atenção durante essas partidas e é justamente ele que vem sendo um desafio constante nos jogos do Tricolor: todo mundo que começa a jogar bola, desde guria ou desde moleque, parte de uma premissa inata à prática desse esporte: o passe e o domínio da redonda. Sem domínio não há passe, sem passe não se constrói o gol, ainda mais porque no São Paulo hoje, está cada vez mais difícil acreditar e confiar nas jogadas individuais. No jogo do Barça, os passes bem feitos enchem os olhos dos espectadores e não foi diferente neste amistoso. Para se ter uma ideia, no final de 2016 o Barça bateu um recorde ao trocar mais de 1.000 passes durante uma partida: foram 1.029 passes acertando 930, uma média de 90% de eficiência. Confira.
Telê Santana, em sua época de ouro, já chamava a atenção dos jogadores quanto aos passes de bola e a importância de acertá-los. O São Paulo tem jogado uma espécie de pebolim da esperança, basta contar quantos passes são fracassados, sendo que muitos deles nem acontecem na fogueira. Simplesmente não dá pra apenas reduzir um panorama muito maior falando em culpa do técnico e do elenco, não a essa altura do campeonato, mas isso é, sim, sintoma de uma doença muito maior que acomete o clube, como exponho adiante. O buraco tricolor é muito mais embaixo, ou devo dizer, em cima? Logicamente, a ineficácia dos passes não é a única responsável pela péssima fase do Tricolor, mas sem o alicerce, sem sombra de dúvida, não há estrutura que possa ser erguida. Sem passe não há gol, e sem gol não seremos capazes de deixar a Z4 do Campeonato Brasileiro.
Enquanto isso, não muito longe dali, treinam os garotos “made in Cotia” – goleadores, vencedores nascidos de uma verdadeira incubadora de talentos. Batemos no peito para dizer orgulhosos que temos a melhor base do Brasil. Esse descompasso entre o volume de jogo apresentado pela base vitoriosa do clube e os tropeços do time principal é, no mínimo, de se estranhar. A verdade é que existem mais coisas entre a alta cúpula da administração tricolor e o apito do juiz no início de cada partida do Brasileirão, o torneio que nos restou, do que sonha a nossa vã filosofia. Há tempos que o São Paulo vem botando seus melhores jogadores nas prateleiras do mercado, deixando a torcida órfã de craques e, principalmente, de títulos. Sinto saudades do futebol quando este ainda não era uma empresa, se é que isso já existiu.
Como é possível sentir saudades de um tempo que não vivi? O que restou ao Tricolor e quando foi que as últimas posições do Campeonato passaram a fazer parte de nossa rotina? Quando foi que o dinheiro passou a falar mais alto que a cantoria da torcida no estádio? Finalmente, quando é que a torcida e a história do clube vão ser respeitadas novamente? Os estádios estão lotados não apenas porque os ingressos estão mais acessíveis (e que continuem assim), mas porque amamos o clube, queremos testemunhar uma reviravolta, um retorno ao futebol arte paulista, e não nos conformamos diante de uma situação que, quando paramos para refletir, não faz o menor sentido e não deve ser jamais incorporada à essência do clube.
Culpa é uma palavra que aparece geralmente em tempos difíceis e creio que não deveria constar no discurso de justificativas, dada a ineficiência em tomar uma atitude ou por procurar alguém para servir de bode expiatório. Leio sobre divagações do tipo “se Rogério ainda estivesse como técnico, já teríamos saído dessa situação”. “Se” não existe. “Se” envolve física quântica, filosofia, realidades paralelas e muito falatório para pouca ação. O que precisamos é de atitudes assertivas. Parte da torcida vem procurando culpados, fazendo justiça com as próprias mãos, ou com os “próprios dedos”, tendo em vista a chuva de mensagens com alto teor crítico que os jogadores vêm recebendo pelas redes sociais. O próprio França se manifestou recentemente pedindo apoio da torcida ao invés de aderir às perseguições. Realmente, pedir para aqueles que amam o clube ponderar em tempos de crise é complicado, uma vez que estamos falando de futebol e ponderar usando a paixão fica bastante contraditório…
Vou chamar de “solução criativa” (do português sincero, um milagre) o que precisamos agora. A perseverança embriagada com o otimismo que a torcida esbanja a cada partida já está virando loucura. Em notícia da Folha de São Paulo, em 17 de abril de 1995 , Telê afirmou brilhantemente sobre o desempenho tricolor de outrora: “Todos eles são bons jogadores e não podem errar tanto em um gramado perfeito como o do Morumbi”. Contra o Cruzeiro, agora, será no Morumbi. Num gramado perfeito, com uma torcida perfeita, em uma hora perfeita para ajustar esse futebol maltrapilho que estamos apresentando, não porque ele acontece só no pé dos jogadores, mas também nas mesas da gestão desse clube, por detrás das câmeras e olhos atentos e sofridos da torcida. Não queremos presente antes da partida, não queremos empréstimos mirabolantes (exceto Hernanes, que é competente e veio em boa hora), e definitivamente, saibam os poderosos que não somos o time do “Pão e Circo”, o que nós queremos é futebol bem jogado e respeito a nossa história.