26.11.2017
Postado por Patrícia Muniz
Na última quinta-feira, Robinho foi condenado pela corte de Milão a nove anos de prisão pelo estupro coletivo de uma jovem albanesa, cometido no dia 22 de janeiro de 2013 em uma casa noturna da cidade. A violência foi cometida pelo atacante e outros cinco brasileiros. A assessoria de comunicação do Atlético disse que não irá se manifestar por ser uma questão pessoal do atleta.
O clube, assim, transfere a responsabilidade para a corte italiana e ignora que se trata de um problema social e histórico, reforçando a misoginia arraigada no clube. Digo isso, pois tenho como princípio que se manter neutro diante de uma opressão, é estar ao lado do opressor, mantendo esse status quo. Quando falamos de violência contra a mulher, o privado é público e o pessoal é político.
Não apenas o clube se manteve isento diante da condenação de Robinho, como parte da torcida defendeu que se trata de uma mentira para criar um contexto de crise no time e alguns, simplesmente, não acreditaram que o atacante seria capaz de cometer esse tipo de violência. A palavra da vítima sempre deslegitimada.
O que alguns torcedores fizeram diante da condenação de Robinho, usando sua extroversão e simpatia para negar a violência, é o mesmo que fazemos diariamente ao ignorar a súplica de mulheres que denunciam nossos conhecidos. Entendemos que nossa experiência com aquela pessoa é diferente, portanto, não há o que questionar e podemos seguir como se nada tivesse acontecido. Não cabe a nós puní-los ou condená-los, mas é nosso dever cobrar que o agressor reconheça seu erro e buscar métodos de reparação, tanto para o comportamento violento, quanto para com a vítima. Estamos diante de um problema social.
Revolta e ensejo punitivo
Esse é o segundo caso de violência contra a mulher que permeia os bastidores do Galo. No primeiro semestre, o zagueiro Erazo foi denunciado por sua esposa por violência doméstica e boa parte da torcida defendeu a rescisão do contrato e prisão do mesmo. E trata-se de uma enorme contradição exigir a prisão do zagueiro Erazo e sustentar um discurso bem menos efusivo diante do estupro coletivo cometido pela estrela do time, Robinho.
Por isso mesmo que, desde a denúncia de violência doméstica contra Erazo, eu insisto em dizer que cadeia não é a solução para nenhum problema, inclusive para aqueles que se referem à violência de gênero. Até porque o nosso desejo de justiça geralmente é muito seletivo e não mira os nossos pares.
Recorrer ao direito penal para solucionar pontualmente esses problemas é individualizar a culpa e ignorar que a violência de gênero faz parte de toda a estrutura social que vivemos. E a questão fundamental é que, além de não resolver, a criminalização atua como mecanismo de encarceramento e genocídio da população negra e pobre no Brasil, sendo a ferramenta de controle mais efetiva para sustentar esse sistema pós-escravidão.
Em discurso feito na Universidade Federal da Bahia (UFBA), a filósofa norte-americana Angela Davis nos fez refletir acerca das medidas adotadas diante de crimes contra a vida e a dignidade sexual da mulher: “Quão transformador é enviar alguém que cometeu violência contra uma mulher para uma instituição que produz e reproduz a violência? As pessoas saem ainda mais violentas da prisão. Adotar o encarceramento para solucionar problemas como a violência doméstica reproduz a violência que tentamos erradicar.”
Infelizmente, eu não tenho as soluções imediatas que desejamos para esses problemas tão graves. Não vejo nenhuma solução efetiva em curto prazo que possa saciar o nosso sentimento de nojo, revolta e a vontade de punir a pessoa. Eu entendo que nenhuma ação pontual punitiva resolverá os problemas sociais e históricos de violência contra a mulher, mas que, obviamente, é sim necessário responsabilizá-lo pela agressão.
O que é ser mulher no futebol?
Esse ano, os bastidores do Atlético reforçaram que pouco adianta um desfile de apresentação de uniformes sem machismo se o debate sobre a violência de gênero e a participação da mulher no futebol se mantiver ignorado ou esvaziado.
Já faz algum tempo que insisto em pensarmos a existência da mulher no futebol para além do consumo de camisas femininas ou da imagem de musa. Não me soa surreal a postura adotada pelo clube diante da condenação de Robinho, pois não espero nada de diferente de uma cúpula formada quase que exclusivamente por homens brancos abastados – e aqui uso ‘quase’ por excesso de cuidado com as palavras. É por isso que homens agressores encontram no futebol um espaço confortável para existir sem se responsabilizarem por comportamentos machistas.
As mulheres foram apagadas e silenciadas ao longo de toda a história do futebol. De nós foi retirado o direito à prática esportiva durante quase 40 anos e ainda hoje nos resumem à figura de musa. Por isso, acredito que precisamos exigir mais do nosso clube do coração e não nos apoiarmos apenas no resultado legal desse processo.
Seria muito mais efetivo o clube em que ele está, por exemplo, assumir o compromisso de pautar a violência contra a mulher e a cultura do estupro com todos os seus atletas; desde as categorias de base até o time profissional, como parte do treinamento, preparação e formação das equipes. Existe a necessidade de se explicar detalhadamente como e quando as posturas masculinas são invasivas e violentas, pois a violência contra a mulher está tão enraizada que os homens alegam a não percepção do comportamento violento, considerando-o natural.
Além disso, é preciso aumentar o quadro de mulheres profissionais envolvidas com o clube, prezar por um conselho paritário, pela valorização do futebol feminino e da mulher como ser humano digno de respeito. É preciso respeitar e valorizar o espaço cada vez mais conquistado da mulher torcedora e não tratá-la como mero objeto de apreciação masculina ou apenas como consumidora de escassos produtos. Somos todos responsáveis pela sociedade que queremos viver e podemos fazer mais do que delegar ao judiciário a resposta para um problema histórico, como é o machismo.