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07.03.2018

Postado por Roberta Pereira da Silva

A quem interessa?

Santos 1 x 1 Corinthians – R10 Campeonato Paulista 2018

Se cada dia da semana fosse dedicado a uma atividade social, certo seria que domingo estaria predestinado a ser dia de Derby. Os domingos de sol possuem gosto e vontade de clássicos. Mesmo não sendo um perfeito Sunday Morning, como cantarolava Lou Reed, duas cronistas desse site muniram-se de desvelo e capas de chuva rumo ao estádio mais charmoso da cidade, o Pacaembú, para assistir ao clássico Alvi-Negro: Santos e Corinthians.

Assistir ao um jogo no Pacaembú não é apenas uma ação ludopédica, é um mergulho na cidade de São Paulo, o mais charmoso dos estádios brasileiros, inaugurado em 1940 é um pequeno colosso no meio de um dos bairros mais nobres da cidade, foi sede de São Paulo durante a copa de 1950 e já abrigou mando de campo de todos os grandes clubes locais. É uma pérola da cidade.

Foto de Marcel D. Sants

Foto de Marcel D. Sants

Mas voltemos ao derby, o clássico Santos x Corinthians ocorrido no ultimo domingo, é aquela prova que o futebol serve para unir, entreter e tirar o óbvio ululante que carregamos no dia a dia, durante toda a semana. Mesmo que a higienização e a “coxinhês” nos grite que existe alguma coisa fora da ordem e que o cerco está se fechando para nós, como presenciamos ao chegar no estádio. Uma de nós estava com um livro na mochila, ato que nos barrou na revista. Livros não entram em jogos de futebol no Estado de São Paulo, esse Fehrenheit 451 explica muito a atual gestão do estado e da cidade. Além, é claro, de vivermos em um Reinado do Rei Pelado e sua pavorosa torcida única.

Foto de Josi Rodrigues

Foto de Josi Rodrigues

Passado isso, o interlaçar de emoções estava presente desde a entrada no estádio, a torcida Santista possui um dos maiores bandeirões do mundo, sendo possível ser aberto apenas no Pacaembu e ele estava presente. Os instrumentos musicais orquestravam o bater de palmas e puxavam as canções, e a euforia dava vida a cada pedacinho de concreto, pois as pessoas organizadas são capazes de dar vida aos espaços. A partida foi considerada a melhor do Campeonato Paulista, e a emoção do empate no finalzinho, com mais de 6 meninos da vila em campo, foi indescritível.

Foto de Josi Rodrigues

Foto de Josie Rodrigues

Porém, um acontecimento “curioso” marcou a festa. Durante o segundo tempo da partida as luzes se apagaram. O Pacaembu, lotado com torcedores que estavam ali expostos a toda sorte climática, misturando o suor e a chuva com a capa plástica, trazendo uma breve sensação de embalagem a vácuo. As luzes levaram quase uma hora para retornar, não foi a primeira vez que tal fato aconteceu, verdade é que o apagar das luzes foi a martelada final que os interesses de privatização queriam para acelerar a licitação de venda do Pacaembu para a iniciativa privada.

Rapidamente, o debate da incapacidade publica de gerir o espaço e a necessidade de privatização como solução, assim, como um passe de mágica, veio à tona. A falta de escrúpulos da atual gestão não se preocupa em, ao menos, disfarçar o timing dessa ação. É urgente compreender que ao transformarmos a Cidade transformamo-nos a nós mesmos, nas palavras de David Harvey*, portanto na medida em que tornamos os serviços públicos em espaços privatizados com fins puramente lucrativos, negamos o direito à cidade e barram-se as possibilidades de desenvolvimento humano. Miremos nos exemplos daqueles homens do Rio de Janeiro, quando foi a última partida de futebol ocorrida no Maracanã?

Foto de Josi Rodrigues

Foto de Josie Rodrigues

Em suma, a quem interessa nossa alegria? Para que serve mais de 35 mil vozes gritando? A quem satisfaz a organização de jovens (homens e mulheres) em confeccionar bandeirões, alugar vans, marcar encontros no metro para que o grupo vá junto ao estádio? Pergunto, de verdade, alguém está interessado que, num domingo ensolarado, as trabalhadoras (es), com os pés, mãos e mentes exaustos de uma semana explorada, possam enxotar todo mal da vida durante um grito de gol?

 

*Harvey, David. O Direito a Cidade. Traduzido do original em inglês “The right to the city”, por Jair Pinheiro, professor da FFC/UNESP/Marília. Esta versão foi cotejada com a publicada na New Left Review, n. 53, 2008. Lutas Sociais agradece ao autor pela autorização de publicar o artigo.

** Professor da City University of New York. End. eletrônico: DHarvey@gc.cuny.edu

 

Por Roberta Pereira e Josie Rodrigues

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