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25.03.2018

Postado por Mariana Moretti

Quando dizemos Majestoso

São Paulo 1 x 0 Corinthians – Semifinais Campeonato Paulista 2018

Quando dizemos Majestoso, dizemos rivalidade. Dizemos gana de vencer e provar ser o melhor. Dizemos o orgulho de vestir essa camisa Tricolor repleta de história. Engana-se quem pensa que vim escrever para “vingar” as provocações que nós, Tricolores, temos encarado já há algum tempo. Muito pelo contrário, tenho ambições maiores quando dedico as linhas de um escrito ao meu amado Tricolor.

Rubens Chiri/saopaulofc.net

Rubens Chiri/saopaulofc.net

Como alguém que, um dia acredita que poderá estar na arquibancada do Morumbi degustando uma bela cerveja sem preocupações, e, sobretudo, como alguém que é assumidamente pavio curto, cabeça dura e prefere perder a amizade do que a própria crença e personalidade, aproveito o clássico para escrever sobre a provocação, bastante presente não apenas no São Paulo e Corinthians, mas no futebol como um todo. Sobre ela, tão enraizada e despretensiosa no futebol, nado contra a maré com risco de afogamento: prefiro evitar que mergulhar de cabeça. A cabeça é dura, como já disse. Quantas vezes já apostei litrões no Majestoso e tive que aguentar provocações e ainda pior, abrir a carteira. Faz parte, e da próxima vez, é o seu amigo que aguenta no seu lugar. E trocar, porque a provocação só é válida se trocada, atingindo o ego alheio. Contraditória posição, não? Escrever sobre futebol e negar um dos seus mecanismos fundadores: a provocação.

Mas faz parte do futebol, dirão! Você não ama o seu time o suficiente para não cornetar os outros, dirão. O futebol pra mim é, e sempre foi, a tentativa desportiva de superação da realidade, essa cretina que quer nos enfiar as coisas goela abaixo. Como já disse, sou teimosa. Como ainda não disse, filha de mãe corinthiana que frequentava o Pacaembu, levando a bandeira de pau de vassoura dentro do ônibus. Ainda bem que nunca a provocaram, porque ela, mais pavio curto que a filha, talvez eu não estivesse aqui para contar essa história. Se não tiver propriedade argumentativa para discorrer sobre o causo, espero uma próxima vida que a genética não me acometa dessa forma irônica.

Em tempos de torcida única, um consolo: um dia chegaremos ao ponto que mulheres e crianças vestindo camisas diferentes frequentarão os clássicos sem preocupações. Fica o otimismo disfarçado de profecia. E que isso tem a ver com a negação da provocação? Absolutamente tudo. Como em outros esportes já acontecem, as torcidas rivais ficam juntas no estádio (que disparate, não?), e degustar uma gelada (ou na temperatura ambiente, dependendo do país) é motivo de alegria e não de incitar a violência justificada pela embriaguez, e, obviamente, é essencial para o bom acompanhamento da partida. E podem me chamar de sonhadora (para mim é elogio e não crítica), mas que um dia o futebol também seja assim.

“Ah! Mas isso não é futebol”, dirão. Mas a truculência da polícia contendo treta que começa com uma “provocação” também não é. Ser ameaçada no transporte público pela cor da camisa também não é. Ser provocada em um bar enquanto assisto um jogo também não é. Os gritos de “bicha” durante a partida também não são. A provocação no futebol anda de mãos dadas com o racismo, o machismo e a homofobia. Só quem é adepto dessa prática que não quer enxergar para não ter que encarar a temida mudança de hábito. E ainda bem que existem inúmeras iniciativas para eliminar esses vícios da torcida.

Podia citar as inúmeras estatísticas que apontam a gravidade dos fatos. Mas nenhuma estatística supera os famosos “causos” pessoais. Um dia nos idos de 2009, eu e uma amiga fomos ao São Paulo e Internacional, no Morumbi. Ela, colorada, foi junto à torcida dela, e eu, presente na arquibancada tricolor, que, com Miranda e André Dias na zaga, saiu vitorioso da peleja. Ela, preocupada com a peita colorada, aceitou saborear umas esfirras de queijo embutido de origem desconhecida, logo nos arredores do estádio. Então, contagiada por uma coragem também de origem desconhecida, ela decidiu se desfazer do agasalho e mostrar sua paixão a todos os 99% de são paulinos presentes no restaurante. E, podem se espantar, nada ocorreu. Comemos tranquilamente, encontramos o lateral Jean que também comia esfirras, tiramos foto com ele, e o balde frio da realidade só nos acordou quando tivemos que caminhar próximo ao estádio novamente. Ela se envolveu com o casaco novamente para evitar conflito. Se houvesse alguma provocação, mesmo que pequena, esse dia não seria lembrado com alegria, e sim, com a injustiça que sinto quando roubam a minha paz de espírito (além de ter saído com vitória naquele dia). As provocações ficaram por nossa conta, entre amigas e rivais (parece nome de novela, mas é real).

Por acreditar nessa “utopia” um tanto quanto ingênua, porém não impossível, que assumo uma posição bastante contraditória perante todos que amam o futebol. Talvez seja possível que eu não entenda a essência do futebol. Que me digam para sair de cima do muro (logo eu, lugar que nunca subi e caso tivesse subido, de pronto caíria estatelada no chão). No entanto, sempre fui ensinada, enquanto jogadora, que com o gás que temos para xingar o adversário e começar uma treta, deveríamos usar para correr mais e garantir uma bola perdida, ou impedir uma conversão. “Entre bater o pênalti ou ajudar lá na treta”, cada um escolhe o que acha melhor. Além disso, enquanto professora de crianças de 6 anos, vejo que cada atitude que os jogadores tomam dentro de campo são exaustivamente reproduzidas por elas na escola, durante os jogos, durante conflitos: o futebol também é escola. É a tal responsabilidade, cada um com a sua. Cada experiência pessoal é una, eterna e imutável. Essa é a minha.

E isso porque não acredito em torcida única, porque não aceito violência policial nos estádios contra a torcida. Porque não acredito na criminalização desmedida das organizadas. Porque quando eu tiver um filho ou uma filha, quero levá-los ao Majestoso. Porque é a rivalidade que mantém a chama da competição, mas não deve implicar em conflito nem violência ou sequer afirmar preconceitos, mas sim, acender a gana de vencer e exercer o amor pelo time. Por isso não tenho porque incentivá-la, muito menos nas ruas ou na terra sem lei da Internet, com pessoas desconhecidas. O fato de não cutucar os outros torcedores por aí não me torna menos Tricolor, mas é coerente com o que eu acredito. E, se um dia eu quero desfrutar de sossego nos estádios, no metrô e no ônibus, ou nos botecos que frequento, eu devo começar com as pequenas coisas.

E como já disse anteriormente, às favas com as estatísticas. Hoje o São Paulo venceu. Venceu bonito diante de grande público no Morumbi. Foi superior nos dois tempos, inaugurando uma nova era com Aguirre e Jardine, ficando clara a parceria etérea do Soberano com o futebol uruguaio. É raça que queremos, é raça que vamos ter. Jogo de corpo e entradas duras, porque isso é clássico na nossa casa, e ninguém está de brincadeira. Que jogada de Nenê e Tréllez, combinando velocidade e frieza, de encher os olhos como há tempos não fazíamos. Nós estamos recuperando a vontade de jogar!

Dizem que “a prática leva a perfeição”, o que justifica treinos físicos, treinos táticos, ou mesmo o treino psicológico, tão fundamental no esporte. Eu discordo. Como uma amiga me disse, “a prática leva a permanência”. É isso que nos falta no momento: permanecer Tricolor. Permanecer. Não estamos perfeitos, mas vamos chegar lá (novamente, como já fomos).

Destaco a belíssima iniciativa de algumas redes sociais do São Paulo em homenagear Marielle Franco, embora houvesse a proibição da polícia para que isso acontecesse dentro do estádio. Dedico a quem mais possa interessar: o futebol é política. E se tem uma engrenagem que eu faço questão de movimentar na essência do futebol é, sem dúvida alguma, a política. Futebol é espelho da sociedade, mas alguns reflexos podemos – e devemos – eliminar.

Marielle e Anderson presentes! Vamos, meu Tricolor!

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