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Contra-Ataque,

05.02.2018

Postado por Colaboradoras

Os subversivos

Essa semana as famigeradas redes sociais me lembraram o épico momento em que futebol e Kung-Fu se unificaram em um misto de fúria e cólera nonsense quando o então Camisa 7 do Manchester United – Eric Cantona – despendeu uma voadora em um torcedor do time adversário, o Crystal Palace. O ano era 1995 e nessa época o futebol europeu já se apresentava para nós, torcedores brasileiros, como um mundo tão distante quanto a Galáxia Andrômeda. Esse fato ocorrido há mais de vinte anos me trouxe uma nostalgia danada dos bad boys dos gramados, talvez por serem imprevisíveis, por darem cabo ao tédio, por saírem do ordinário da vida. Mas, especialmente, por trazerem certo conflito a um mundo demasiadamente pasteurizado.

Fonte: R7

Fonte: Action Images

Mas antes que me acusem de incitação à violência, vale ressaltar que o bad boy é antes de tudo um subversivo, capaz de dar declarações fora de hora, trazer à tona escândalos de bastidores, falar mal de cartolas, brigar com adversários em momentos pouco oportunos, tudo isso ao mesmo tempo, sem nunca parecer se importar com as consequências. Por exemplo, voltemos à voadora de Cantona, na época o Manchester estava na disputa de seu terceiro campeonato inglês consecutivo, Eric era sua maior estrela, milhões e milhões de libras estavam em jogo, uma comitiva de imprensa foi armada à sua espera para um pedido formal de desculpas quando o ex-atacante entrou com seu melhor olhar franco blasé e disse: – “Quando as gaivotas (pausa/bebe água) seguem o barco (pausa/olhar para o horizonte, tipo galã de rodoviária estilo Renato Portaluppi) é porque elas pensam que sardinhas serão jogadas ao mar”. E sai sem dizer mais nada para cumprir seus nove meses de suspensão. Fora de campo, Cantona também já se manifestou a favor de moradias populares na França, apoio e suporte a refugiados, além de proferir duras críticas ao sistema bancário europeu.

Outro jogador com fama de excêntrico e maluco no velho mundo, Mario Balotelli, questionou se o racismo é legal na França após ser alvo de xingamentos racistas em um jogo contra o Bastia, no início do ano passado.

Fonte: Getty Image

Fonte: Getty Image

Em terras tupiniquins, já fomos brindados com os mais adoráveis subversivos que se têm notícias. Sócrates, que liderou um time que tinha como seu alicerce principal a democracia, justamente no – até então – mais doloroso período de ditadura na história do país. Afonsinho, que já foi inspiração para música de Gilberto Gil, trouxe à tona problemas trabalhistas no futebol. Na mesma época, Paulo César Caju (que possui o apelido de Caju por ter voltado de uma excursão nos Estados Unidos com os cabelos pintados de vermelho para homenagear o movimento Panteras Negras) também fazia duras críticas aos cartolas e aos milicos detentores do poder no país.

Fonte: Nana Moraes

Fonte: Nana Moraes

A lista poderia ser mais extensa se não passássemos por um momento de grave escassez de personalidade no futebol, em especial nessas terras tropicais. Tentei aqui puxar na cachola alguns nomes contemporâneos para engrossar o caldo dessa crônica ludopédica, mas após pensar, acionar o oráculo Google, pedir ajuda aos universitários, me deparei com a lazarenta realidade de que estamos em tempos medíocres. Mais difícil do que citar um time brasileiro que consegue dar quinze passes certos em campo é citar um mísero jogador que nos surpreenda quebrando o status quo a que estamos submetidos. Só para ter uma ideia, os atuais escândalos envolvendo jogadores vão desde apoio a políticos fascistas até estupro e feminicídio, o que convenhamos não é bem o tipo de bad boy que estou descrevendo por aqui. A total alienação dos nossos ídolos é de causar uma certa inquietude.

Mas o que causaria tamanha penúria, já que possuímos um histórico tão pungente de mitos cheios de personalidade dentro e fora do campo? Seria a apatia dos nossos craques, um reflexo da padronização e da elitização do nosso futebol? Ou o futebol é apenas um microcosmo que repete exatamente o que nossa sociedade sente, age e fala, estando nós sucumbidos apáticos a toda sorte que nos é dada?

 

Por Josie Rodrigues

A Bola que Pariu