VOLTAR

, Futebol Feminino

30.09.2017

Postado por Colaboradoras

Saída de Emily é o novo 7×1 do Brasil

emily1

Fizemos um gol. Com maestria, aos 40 do segundo tempo de 2016, colocamos a primeira mulher no comando da seleção brasileira feminina de futebol: Emily Lima. Comemoramos com nossa ínfima torcida, que acredita na capacidade do sexo frágil e, ainda que aguerrida, acaba não rendendo bilheteria. Agora, tínhamos a posse da bola. Juntas, sonhamos tomar nosso espaço de direito no campo do adversário e driblar as inconsistências da CBF. Mas quem analisa o cenário do campeonato sente quando não vai sair a vitória.

Não assistimos o que passou a portões fechados. Mas, reparando bem, é possível sentir o cheiro da jogada ensaiada. Eles deixam ela entrar, provam a todos o próprio ponto de vista – negativo – sobre um comando feminino e encerram qualquer discussão ou polêmica acerca do tema. E foi assim. Nessa jogada, tomamos o primeiro, dos sete. A famosa sombra dos 7 a 1. E já, de cara, chutaram sem chances de defesa. Só que, dessa vez, o carrasco não foi um alemão (Müller, Kroos, ou quem escolham), mas sim um lado fétido da nossa cultura que insiste em pré-determinar competências e ambientes distintos para homens e mulheres.

emily2

Tentamos nos distanciar e entender a dinâmica da partida, trabalhar para alcançar os três pontos. A treinadora desistiu do esquema de seleção permanente por entender que não seria a melhor opção com muitas jogadoras fora do País. Quis investir no longo prazo. Cartão amarelo para ela. Não deveria pensar demais, nem trabalhar demais. Analisou até as categorias de base. Que peito! Que petulância! Mas dizem que é coisa de mulher metida com futebol ser assim, não é? Melhor cortar o mal pela raiz. “E como justificar?”, perguntou um. “Fácil, falamos sobre os resultados”, ouviu de outro. Gol deles, o segundo já.

Emily treinou as meninas que vestem a canarinho por 10 meses. Depois de sete vitórias, um empate e cinco derrotas, caiu. Ou melhor, foi derrubada numa falta clara, digna de expulsão. No entanto, quem teve que sair foi ela. Você pode estar pensando que para um trabalho de médio e longo prazo essa realidade não é ruim, mas, enquanto refletíamos sobre isso, já tomamos o terceiro, porque quem ocupou o cargo foi Oswaldo Alvarez, o Vadão. E aqui não vai uma crítica direta ao trabalho dele. Porém, que decisão tão grave a treinadora tomou para que seu antecessor tenha sido chamado de volta, às pressas? Vadão havia estado à frente da seleção feminina por, aproximadamente, dois anos e meio. Não foi considerado bom para continuar, mas para substituir Emily, sim. Esse gol não foi feito por ele, mas pela incoerência da situação.

emily3

E o chocolate não parou por aí. Afinal de contas, foi 7 a 1, lembra? Pois é. Sem tempo de nos reorganizarmos, perdemos Cristiane. Mais que um desfalque, foi outra bola na rede para o adversário. Isso porque a atacante se pronunciou em seu Instagram anunciando que está fora da equipe por “não ter mais forças”. Ela denuncia uma série de gols contra, que jamais ocorreriam no futebol masculino. Disse que não entende, por exemplo, o porquê de as camisetas das meninas não serem postas à venda. Questionou, ainda, qual a dificuldade de modificar pequenos detalhes de organização, marketing e o que for necessário para atingir o nível que a modalidade merece. Cristiane chorou ao pedir para o presidente que ouvisse as atletas. Em um último esforço, nossa zaga tentou frear essa goleada, mas já era tarde demais. Das 26, 24 atletas assinaram uma carta à presidência pedindo que a comissão técnica de Emily permanecesse. Mas as jogadoras não foram ouvidas. Entendem, agora, por que esse já foi o quinto gol? PORQUE QUEM FAZ O FUTEBOL FEMININO BRASILEIRO NÃO TEM VOZ. Sim, gritei. Pois o jogo está acabando para nós e a gana de torcer e apoiar abre espaço ao desespero.

Quer saber como levamos o sexto? Fran e Rosana seguiram a decisão de Cristiane. Já não se houve a arquibancada e a motivação se foi. O fôlego também acabou. Em entrevista, Emily não considera causa da demissão o preconceito por ser mulher. Provavelmente porque não admite que isso exista ou por já ter gasto seu esforço tendo que provar seu valor como profissional no dia a dia. A mentira que a sociedade conta sobre todo mundo ser igual em direitos roubou a bola e marcou o sétimo. 7 a 1. Nós vemos que a arbitragem está errando. A equipe também vê. Porém, quem reclama leva cartão. Estamos sendo empurradas na área e temos que continuar de alguma maneira. Temos que seguir, ainda que cada uma a seu modo. Emily afirma que vai focar no futebol feminino do exterior, Cristiane decidiu se afastar, desabafou e clamou por mudanças. Já Marta optou por continuar em campo e seguir tentando. Mas a questão mais importante é: e nós, não vamos fazer nada?

 

Fotos: Lucas Figueiredo/CBF

Por Kyane Sutelo

Ler mais do Futebol Feminino

A Bola que Pariu