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, Futebol Feminino

31.10.2017

Postado por Ana Clara Costa Amaral

Prointer: entrevista com a jogadora Bia

Finalizando a sequência de matérias sobre o Prointer FC, trazemos a entrevista com Bianca, uma das jogadoras do elenco feminino do clube, que nos contou sobre os vários caminhos que a levaram ao futebol, da conquista do vice-campeonato da Copa BH e das expectativas para o futuro.

Não muito diferente da trajetória que levou muitas jogadoras ao radar de Seu Evaristo, Bia agarrou as oportunidades que parecem acontecer por lapso no onipresente futebol masculino. Única na família a gostar de futebol, aos 6 anos de idade já “dava uns perdidos” na mãe para jogar bola na comunidade, na região do Jardim Laguna/Oitis, na cidade de Contagem (região metropolitana de Belo Horizonte). Para cavar os primeiros passos em um time, no entanto, ela contou com a intercessão direta da mãe.

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“Aonde eu morava, era uma favela né, e lá tinha um time masculino e minha mãe conhecia um pessoal que trabalhava lá. Aí ele falou que eu poderia ir treinar com eles, porque lá onde eu moro não é comum ver menina jogando com menino”.

O envolvimento inusitado no futebol da comunidade não parou por aí. Além dos primeiros treinamentos com um time, Bia ainda atuou como técnica. Ela explica:

“Eles queriam acabar com o futebol dos meninos pequenos. Aí falei que podiam me dar as coisas que eu dou treino para eles, o básico que eu aprendi eu ia passar para eles. Aí, nisso, eles me viram como uma pessoa maior, uma pessoa que eles queriam seguir. Eu falei assim: ‘Eu sei o básico do básico, mas eu posso tentar ajudar vocês, vocês aceitam?’. Eles aceitaram. Hoje ainda, como lá acabou, aí eu falo ainda, vamos brincar aqui todo mundo, e todo mundo manda whatsapp querendo saber se já voltou, mas, de fato, ainda não voltou, porque é difícil, ninguém procura ajudar o time”.

Presente no Prointer

Ficaram para trás os tempos de futebol perto de casa, mas a experiência foi determinante para que a jogadora viesse a vestir a camisa de um tradicional time feminino na capital. Foi jogando com o time masculino de sua comunidade que Bia foi vista e convidada a participar do Prointer.

“Um dia viemos para um jogo aqui na barragem e o Evaristo me viu jogando com os meninos. Aí ele pegou e falou assim: ‘Você não quer vir jogar com a gente na Barragem? Aqui tem time feminino, a gente pode te dar um apoio de passagem’. Aí eu falei: ‘Quero sim’, ele me passou o número dele e a gente conversou, aí minha mãe veio aqui também para conversar com ele e ver como é que era”.

Finalmente, em um time feminino e com uma estrutura melhor, iniciava-se uma nova fase, não menos desafiadora, para Bia. Hoje, com 16 anos de idade, ela estuda de manhã em Contagem e vai para os treinos na Barragem à noite, perfazendo um trecho de duas horas de ônibus.

O deslocamento em si não é um incômodo que tire a jogadora do sério, pelo contrário, Bia conta animada sobre sua rotina de treinos e tudo o que ela envolve. Afinal de contas, entre tantos treinos, Bia recebeu convites de outros times e a opção pelo atual clube partiu dela – e pelas motivações e sonhos dela.

“No começo, eu pensei: ‘Ah elas não estão indo com a minha cara, mas aí, quer saber, vou continuar para ver no que dá’ e estou aí até hoje” – conta, marota.
Perguntamos, então, qual seria a maior dificuldade dela para jogar bola. A leveza e descontração cedem e Bia responde, sem hesitação:

“Ah, o preconceito, porque além de você não ter o espaço, a mesma visibilidade que o masculino tem, é muito difícil, porque nem todo mundo te apoia. Falam assim: ‘Você é maria-homem’, ‘Você vai gostar de outra coisa’. Isso machuca muito as pessoas porque as palavras doem, ninguém sabe”.
A questão financeira ainda aparece como um fator angustiante, e Bia não nega que está cada vez mais difícil arcar com os custos dos treinos.

“Minha mãe sempre procurou me apoiar bastante porque é bem difícil, né? Não é sempre que a gente consegue dinheiro para a passagem, para eu poder vir treinar. Não é sempre. Ela tira de casa para eu poder realizar meu sonho”.

Copa BH e perspectivas

Já com algumas histórias para contar e muita cancha, Bia vive um momento de bons frutos e altas expectativas no Prointer. A campanha vitoriosa no vice-campeonato reforçou a esperança de Bia que, com o time, disputou em julho a final da Copa BH, contra o América-MG, em pleno Independência.

A experiência no Horto foi marcante para a jogadora, mesmo declarando-se cruzeirense. “A gente entrou em campo e dava emoção, porque a torcida começou a gritar ‘Prointer!’, foi muito, muito emocionante!”.

Incentivada pelos bons resultados obtidos, Bia quer ser jogadora profissional e tirar seu sustento e o de sua família, do esporte. Na futura carreira, não resta dúvidas quanto a sua inspiração em Marta e Formiga, de quem se derrete falando: ‘Meu sonho é um dia conhecer elas’, e arremata, encucada, ‘[…] eu vejo a Formiga jogar e, véi, na idade que ela tem, ninguém quer contratar ela [no Brasil] e ela joga muito, muito e tem muita raça, por isso eu gosto dela e da Marta’.

Caso não seja possível seguir o caminho das ídolas, Bia tem um plano B, desta vez inspirada nos cuidados à irmã menor, que apresenta asma e bronquite: a pediatria. “Aí vou poder ajudar bastante, não só a minha irmãzinha, porque ela não vai estar pequena mais, mas a todas as outras crianças”, explica.
Sem medo de sonhar e com personalidade para bancar seus projetos, por ora, Bia foca mesmo é em jogar futebol. E já estabeleceu os próximos passos: “[…] que a gente ganhe do América e mostre que não é só o América que tem potencial para poder estar disputando os melhores campeonatos, que o Prointer também tem”.

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Assim, por mais que tenha sido gostoso conversar com a Bia ainda de chuteiras, encerramos nossa conversa e deixamos o terrão da Barragem. Foi revigorante conhecer algumas das pessoas que fazem o futebol feminino acontecer há muitos anos em BH e ter a oportunidade de contribuir para o devido reconhecimento dessa luta que, por vezes, ganha ares de novidade que, definitivamente, não fazem jus à história.

Por outro lado, poucos dias após nosso encontro na Barragem, já recebíamos notícias das dificuldades enfrentadas pelos clubes para competirem no Campeonato Mineiro, um dos certames sucessores da Copa BH no calendário do futebol feminino. Para arrecadarem fundos para custos com ambulância e médico, as meninas do Prointer lançaram um financiamento coletivo, como divulgamos anteriormente.

Infelizmente, o Prointer foi eliminado na fase de grupos. É preciso dizer que o futebol feminino cresce, se expande e ganha apelo popular apesar das Federações, no caso, a Federação Mineira de Futebol, que exige de clubes com pouca estrutura, responsabilidades similares a de clubes profissionais (masculinos) para participar das competições amadoras. Nos ombros de gente como Bia, Paçoca e Seu Evaristo, o futebol feminino não pode pedir passagem. Ele tem aberto o caminho “a facão” e essas distorções precisam vir à tona.

Pela Copa Centenário, na última semana, o Prointer enfrentou novamente o América, dessa vez na semifinal do campeonato. As meninas da Barragem levaram o jogo para os pênaltis com um empate sem gols e perderam por apenas um de diferença, nos pênaltis. Não ficaram devendo em nada para o América, time que possui mais investimento e melhor estrutura, ainda que muito aquém do desejável para qualquer time de futebol feminino.

Fotos de Federação Mineira de Futebol

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